Por Raphael Machado.
Na narrativa autolegitimadora utilizada pela Coalizão atlantista para bombardear o empobrecido Iêmen, os porta-vozes do Ocidente acusam os houthis de “ameaçar o comércio mundial”.
Tecnicamente isso não é verdade.
Primeiro porque apenas 10-15% do comércio oceânico mundial passava pelo Mar Vermelho. Essa parcela representava a maioria dos cargueiros com mais de 7 milhões de TEUs de capacidade, mas estes correspondem a 25% do comércio oceânico mundial.
Bem, o problema é que a queda no uso do Bab-el-Mandeb só se deve parcialmente à ação dos houthis. Quando do início das operações houthis contra os navios israelenses, 66% dos cargueiros com mais de 7 milhões de TEUs passavam pelo Suez, vis-à-vis o Canal do Panamá e o Cabo da Boa Esperança.
Às vésperas da formação da Coalizão atlantista, havia caído para 42% dos grandes cargueiros oceânicos. Na última semana de 2023, após a formação da Coalizão, estava em 14%. E na primeira semana de janeiro, estava em 3%.
Matematicamente, portanto, a queda mais drástica se deu após o Ocidente começar a ameaçar levar guerra ao Mar Vermelho e ao Golfo de Aden do que propriamente após o início das ações dos houthis. Isso não surpreende: os houthis estão agindo primordialmente contra navios cargueiros com vínculos israelenses.
A partir do momento em que formou-se a Coalizão, começaram a atuar também contra navios de outros países apoiadores do Ocidente contra a Palestina e contra o Iêmen.
Mas sabe-se que navios russos e chineses continuam transitando o Mar Vermelho livremente. Inclusive, se usássemos essa rota (nosso comércio não costuma passar por ali) navios brasileiros certamente não seriam atacados pelos houthis.
Não há aí, portanto, “ameaça ao comércio mundial”. O Cabo da Boa Esperança está aí. Ele aumenta o tempo de trajeto em 2 semanas, mas paciência. Ademais, os navios de países não atlantistas têm podido transitar tranquilamente pelo Estreito.
Na verdade, a ameaça de guerra provocada pelos EUA ameaçam mais o comércio mundial do que as ações dos houthis, que ameaçam exclusivamente o comércio israelense.