Por Alberto Buela, filósofo e escritor argentino
Em uma sociedade como a nossa, uma sociedade de consumo, opulenta para poucos, cujo deus é o mercado, a imagem substituiu o conceito. Deixamos de ler para olhar, mesmo que isso raramente seja visto. Assim, artistas, atores, cantores, locutores e apresentadores de TV substituíram os intelectuais.
Essa substituição vem de outra mais profunda, quando os intelectuais, especialmente após a Revolução Francesa, passaram a substituir os filósofos. É verdade que os filósofos continuaram a existir, mas o tom geral dos últimos dois séculos marca seu desaparecimento público.
O progressismo, essa doença infantil da social-democracia, caracteriza-se por assumir a vanguarda como um método e não como uma luta, como era o caso do antigo socialismo. O antigo jornal “La Vanguardia” ainda existe em Barcelona.
A vanguarda como método significa que, para o progressista, é necessário estar, contra todas as probabilidades, sempre na crista da onda. Sempre à frente, na vanguarda das ideias, modas, costumes, hábitos e atitudes.
O homem progressista sempre se coloca no êxtase temporal do futuro, nem o presente, nem muito menos o passado tem qualquer significado para ele e, se tiver, será sempre em termos de futuro. Ele não está interessado no ethos da nação histórica, e até mesmo vai contra esse caráter histórico-cultural. E isso acontece porque o progressista é seu próprio projeto. Ele está sempre instalado no futuro porque adotou a vanguarda como seu método. Ninguém e nada pode se opor a ele, caso contrário ele deixaria de ser progressista. Isso explica por que o progressista não pode se dar um projeto para um país ou uma nação, porque isso seria colocado na sua frente, o que implica e cria uma contradição para ele.
E como ninguém pode dar o que não tem, o progressista não pode dar a si mesmo ou a nós um projeto político, porque ele mesmo é seu projeto político.
O homem progressista, sendo aquele que diz sim a toda novidade que lhe é proposta, encontra nos artistas seus intelectuais. Hoje, em nossa sociedade de consumo, onde as imagens substituíram os conceitos, descobrimos que os artistas são, no final, aqueles que traduzem conceitos em imagens. E é nisso que consiste o treinamento do progressista, uma sucessão de imagens truncadas da realidade. O homo festivus, a figura emblemática do progressismo, de que falam pensadores como Philippe Murray e Agulló, encontra no artista seu ideólogo.
O artista o libera tanto do esforço da leitura (um hábito que está irremediavelmente perdido) quanto do mundo concreto. O progressista não quer saber, mas apenas ser informado. Ele tem fome de novidades. E o mundo é “seu mundo” e ele vive no sino de vidro dos antigos armazéns do bairro, onde as moscas (as pessoas e seus problemas) não podem entrar. Os progressistas portenhos vivem em Puerto Madero, não em Parque Patricios.
A tática dos governos progressistas é transformar o povo em ” as pessoas”, ou seja, em um público consumidor, pelo qual o povo deixa de ser o principal agente político de qualquer comunidade, para ceder esse papel à mídia de massa, como ideólogos das massas, e aos artistas, como ideólogos de suas próprias elites.
Esse é um mecanismo que funciona em dois níveis: a) na mídia de massa, centenas de jornalistas e locutores, esses analfabetos culturais loquazes, como Paul Feyerabend (1924-1994) apropriadamente colocou, nos dizem o que devemos fazer e como devemos pensar. Eles são os mensageiros do “uno anônimo” de Heidegger que, por meio do dito “se”, se diz, se pensa, se trabalha, se veste, se come, nos mergulha em uma existência imprópria. b) por meio de artistas como tradutores de conceitos em imagens em teatros e cinemas e para um público mais restrito com maior poder aquisitivo: para aqueles que estão satisfeitos com o sistema.
O artista cumpre sua função ideológica dentro do progressismo porque canta os infinitos temas de reivindicação: o casamento gay, o aborto, a eutanásia, a adoção de crianças por homossexuais, o consumo de maconha e coca, a luta contra o imperialismo, a defesa do indigenismo, os imigrantes, a redução de penas para criminosos, um aceno à marginalidade e um longo etc. Mas nunca canta sobre a insegurança nas ruas, a prostituição, a venda de crianças, o turismo pedófilo, a falta de emprego, o aumento de assassinatos e roubos de pessoas, o jogo, etc. Não, não é sobre isso que o filme de Mastroiani fala. Em suma, ele não analisa os sofrimentos da sociedade, mas suas alegrias.
O artista, como ator, representa todas as peças em que o politicamente correto é representado. E, nesse sentido, como diz Vittorio Messori, em primeiro lugar, há a difamação da Igreja, a crítica da ordem social, as virtudes burguesas de moderação, modéstia, economia, limpeza, fidelidade, diligência, bom senso, fazendo-se a apologia dos opostos.
Não há ator que não arranque os cabelos ao falar sobre as vítimas judias do Holocausto, embora ninguém represente as mulheres cristãs e ciganas nesses mesmos campos de concentração.
Assim, se retratam Heidegger como um nazista e Stalin como um mestre da humanidade. O Papa sempre como um carrasco e as freiras como pervertidas, mas os agiotas como necessitados e os cafetões como libertadores. Não há mais representações do Mercador de Veneza, não há mais a Bolsa de Martel. O maestro que se atreve a tocar Wagner é excomungado pela polícia do pensamento da estética na música clássica.
Na ordem local, se eles representarem Martín Fierro, removerão a payada e o duelo com Moreno. Se for o General Belgrano, o apresentam como um médico. Perón, como um burguês, e Evita, como uma revolucionária. Mesmo quando a figura emblemática de cada ator é Che Guevara.
Toda a hermenêutica teatral é penetrada pela psicanálise tingida pela lógica de Freud e suas centenas de discípulos. Lógica que se resolve no resgate do “outro”, mas para transformá-lo em “o mesmo”, porque no cerne dessa lógica “o outro”, como Jeová para Abraão, é vivenciado como uma ameaça e, portanto, no suposto resgate, tenho de transformá-lo em “o mesmo”.
O fato é que o artista é educado na diferença, e vemos isso em suas roupas e comportamento estranhos. Ele pensa e parece diferente, mas seu produto acaba sendo mais um elemento na coesão homogeneizadora de todas as diferenças e alteridades. Ele é mais um agente da globalização cultural.
O pluralismo pregado e representado acaba na apologia do doce totalitarismo das social-democracias que reduzem nossa identidade à de todos igualmente.
Por fim, o mecanismo político que está na base dessa dissolução do outro, como o distinto, o diferente, é o consenso. Nele, o simulacro do “como se” kantiano está em ação. Assim, eu presto atenção ao outro, mas não o escuto. Produz-se uma negação retardada do outro, porque, no final, busco superar as diferenças reduzindo-as ao “mesmo”.
Essa é a razão fundamental pela qual estamos propondo há anos a teoria do dissenso, que nasce da aceitação real e efetiva do princípio da diferença e tem como requisito a capacidade de viver nessa diferença. E essa é a razão pela qual é necessário fazer metapolítica: uma disciplina que envolve a necessidade de identificar a diversidade ideológica na área da política mundial, regional ou nacional, tentando transformar essa diversidade em um conceito de compreensão política, de acordo com a sábia opinião do cientista político Giacomo Marramao.
O dissenso deve ser o primeiro passo para tornar a política pública genuína e a metapolítica o conteúdo filosófico e axiológico do agente político.