Por Raphael Machado
Tenho visto com frequência que analistas militares e geopolíticos, inclusive antiatlantistas, expressam convicção de que o Irã tem armas nucleares. Entre esses analistas há, inclusive, alguns ex-funcionários da CIA que afirmam que há todos os indícios de que o Irã já tem essas armas.
Se atentarmos para as luvas de pelica com as quais os EUA tem abordado o Irã, realmente, dá o que pensar. Afinal, de fato, após ataques contra soldados estadunidenses há alguns dias empreendidos por milícias pró-iranianas no Iraque, a retaliação ianque levou quase uma semana e foi bastante modesta.
A demora no tempo de reação e a sua modéstia parecem expressar, de fato, uma timidez pouco característica da condução da política externa pelos neocons, especialmente em relação ao Oriente Médio. Afinal, os EUA já tinham planos de ataque/invasão do Irã desde o 11 de Setembro, conforme revelado pelo ex-general Wesley Clark anos atrás.
Conforme vejo, essas reticências ianques ao lidar com o Irã só se justificam se os EUA souberem ou desconfiarem que os persas possuem capacidades militares dissuasórias aptas a desequilibrar as relações de poder no Oriente Médio em desfavor dos EUA e sem que os EUA possa fazer qualquer coisa para impedir seu uso em caso de conflito.
Além de armas nucleares poucos equipamentos poderiam se enquadrar nesse tipo de análise.
Recentemente, um âncora da TV estatal iraniana questionou em público se já não era hora do país adquirir armas nucleares. Já em 2005, o Presidente Rafsanjani comentou publicamente que na medida em que o Irã domina o enriquecimento de urânio e todo o ciclo de combustível nuclear, o país não precisa fazer mais nada, isso já seria suficientemente dissuasório.
O que se quer dizer com isso é o que tem sido comentado por especialistas que dizem que, considerando a tecnologia atual, o Irã consegue produzir pelo menos cinco bombas atômicas no espaço de duas semanas (vide o “IranWatch”). De fato, a passagem do enriquecimento de urânio a 60% para 90% (o necessário para armas nucleares) é algo trivial quando já se domina a tecnologia para isso.
Quanto ao transporte da bomba, já sabemos que a ciência balística iraniana é ainda mais avançada que a estadunidense, com os persas já dominando a tecnologia dos mísseis hipersônicos enquanto os EUA não. E o lançamento por foguetes de três satélites mês passado, mostra que o Irã em breve terá mísseis balísticos de longo alcance.
Esses fatos, e o medo israelense de uma bomba atômica iraniana, explicam o motivo pelo qual o Mossad está atualmente travando uma guerra secreta contra a inteligência iraniana e inclusive o motivo pelo qual o Mossad negligenciou várias outras frentes de conflito.
Agora, aqui se poderia recordar a fatwa do (Aiatolá) Khomeini contra armas nucleares, uma decisão importante que expõe as intenções pacíficas da pesquisa nuclear iraniana. A questão é que há algumas hipóteses hermenêuticas aqui, derivadas inclusive do fato de se tratar de uma fatwa oral.
Em primeiro lugar, deve-se, sim, levar a sério a proibição de Khomeini do uso de quaisquer armas que causam a aniquilação massificada de vidas civis (incluindo aí as armas nucleares), já que mesmo com o uso de armas de destruição em massa por Saddam Hussein contra o Irã, os persas não buscaram retaliação na mesma moeda apesar de terem já na época os meios para fazê-lo. Não é aplicável aí a acusação de taqiya, também, já que não é bem vista a prática de taqiya em assuntos militares.
Não obstante, é necessário recordar que fatwas não são imutáveis. Khamenei pode, sob circunstâncias diferentes, modificar os termos, limites e detalhes da fatwa. Ademais, atente-se ao fato de que as fatwas são cuidadosamente construídas para dizerem exatamente aquilo que dizem.
Nesse sentido, o desenvolvimento de armas nucleares táticas e o seu uso contra alvos militares não recairia sob a fatwa, já que não implicaria a aniquilação indiscriminada de vidas civis.
Observe-se, ainda, que a fatwa nada diz sobre a aquisição de armas nucleares por outros meios, com especulações sobre a possibilidade do Paquistão vender armas nucleares para o Irã ou posicioná-las em seu território.