Por Raphael Machado.
Anualmente, as múmias da esquerda brasileira (como as da portuguesa) celebram a Revolução dos Cravos, nome do golpe de 25 de Abril de 1974 que teria derrubado a ditadura de Marcelo Caetano para devolver a “liberdade” a Portugal.
Quando me refiro a múmias não é hipérbole. É apenas a gerontocracia da esquerda luso-brasileira que lembra ou se importa com essa data, com os órgãos de partidos fazendo os seus comunicados protocolares e, no caso português, os órgãos públicos emanando a sua propaganda tediosa. Para a maioria dos portugueses é um dia como qualquer outro.
Agora, bem, o que os portugueses supostamente estariam comemorando é o advento da “democracia” e da “liberdade”, quando antes havia tudo que há de ruim no mundo, já que esses temas sempre são abordados com a moralina infantil das histórias em quadrinhos da Marvel.
A realidade é bem mais complexa.
Portugal é um país livre? Trata-se de uma democracia? Apenas no sentido liberal do termo, onde a democracia (liberal) é apenas a alternância de partidos, o sufrágio, a divisão de poderes e a obediência ao dogma dos direitos humanos. A “liberdade” aí é a concepção liberal de liberdade, a chamada “liberdade negativa” como definida por Isaiah Berlin, como a ausência de impedimentos para a satisfação da vontade individual.
Em qualquer sentido mais substancial de democracia ou liberdade, porém, a situação portuguesa não parece muito interessante. O país passa por uma crise populacional imensa e aqui não me refiro simplesmente ao problema da natalidade, mas ao fato de que 60 mil portugueses, em sua maioria jovens, fogem do país anualmente. Um número um pouco maior de imigrantes chega ao país por ano. Disso se pode deduzir duas coisas: uma, é que o jovem português não vê perspectiva de futuro em seu país; a segunda é que a população nativa está sendo substituída.
Nenhuma surpresa na fuga de portugueses quando 37% da força de trabalho está submetida a trabalho precário. Isso não surpreende quando recordamos que a indústria é apenas 13% do PIB português. Também devemos questionar essa “liberdade” em outros níveis. Mesmo sendo prejudicial para os próprios interesses, Portugal segue submissa à UE e à OTAN. Portugal também implementou à risca as medidas da tirania sanitária, ditadas do exterior. No âmbito cultural, as autoridades deixaram a cultura tradicional de lado (transformada em exotismo para turistas) e o capitalismo liberal hoje dita para Portugal a mesma anticultura mundial de sempre, com todas as perversões pós-modernas.
Mas bem, pelo menos é melhor do que a ditadura, certo? Novamente, muita gente discordaria. O período do Estado Novo de 1933 a 1974, sob os governos de Antônio Salazar e Marcelo Caetano, viu Portugal crescer a uma média anual de 7% (no período de 1960 a 1974), números espantosos principalmente por não ter sido um surto, mas 15 anos de desenvolvimento continuado. Poderíamos falar ainda no aumento da renda, a ampliação de direitos sociais e trabalhistas, etc.
O período, obviamente, não é isento de erros. O caráter conservador, até mesmo reacionário, do regime, na prática, não fez senão tentar represar a maré niilista. Não foi oferecida nenhuma cosmovisão, nenhuma ideologia, nenhuma significação existencial. O regime, também, apesar de planificado, alimentou a burguesia que colaboraria para sua derrubada. Para não falar na adesão à OTAN.
Voltando ao 25 de Abril, para além dos mitos da esquerda mumificada, a realidade é que o Estado Novo foi derrubado com o apoio da OTAN e o processo de “democratização” foi conduzido pela CIA. O dia era o do exercício “Dawn Patrol” da OTAN em águas portuguesas, e quando as forças revoltosas da Escola Prática de Cavalaria seriam bombardeadas pela fragata Gago Coutinho foram protegidas pelo contratorpedeiro Huron, o que permitiu a continuação do golpe.
Depois, em 1975, chega o agente da CIA Frank Carlucci para coordenar com Mário Soares a construção da Portugal pós-salazarista.
Valeu a pena? Não tenho certeza. Para os EUA, certamente valeu.