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Não é só o preço do arroz que está nas alturas. Alguns materiais de construção tiveram aumentos expressivos desde o começo do ano – e chegam até mesmo a faltar nas lojas, ainda que momentaneamente. Esse cenário impacta tanto a vida do brasileiro comum, que resolveu fazer pequenas reformas na casa, quanto a de grandes empresas de construção civil, que também atuam nos segmentos de obras públicas e moradias populares.
As razões para o aumento dos preços são variadas. Alguns itens, como aqueles que têm cobre, sofrem o impacto do câmbio: o produto é uma commodity, é importado e o real está desvalorizado perante o dólar. Cimento e aço tiveram a produção interrompida durante o início da pandemia e as atividades retomadas não alcançaram o patamar produtivo anterior à crise sanitária.
Enquanto isso, a demanda por esses produtos cresceu. A construção civil foi considerada atividade essencial pelo governo federal em maio, mas diversos estados já haviam liberado antes mesmo na normativa federal, como São Paulo e Paraná, que permitiam a atividade desde abril.
Além de o setor não ter parado, houve um “movimento de formiguinha” de muitos brasileiros. Muitos dos que não foram impactados por reduções salariais, mas passaram a gastar menos durante a pandemia, investiram em melhorias na casa, principalmente quem aderiu ao home office. Até mesmo o pagamento do auxílio emergencial, benefício voltado a trabalhadores informais e população vulnerável, com cinco parcelas de R$ 600 e a partir de agora mais quatro de R$ 300, estimulou o consumo e aqueceu o mercado.
Setor da construção civil aponta alta muito superior à inflação
A alta dos preços de materiais de construção foi captada em indicadores de inflação, como o IPCA, medido pelo IBGE. No acumulado dos oito primeiros meses de 2020, o cimento teve variação de 10,67% e o tijolo, de 16,86%, por exemplo. O Índice Nacional de Custo da Construção-M (INCC-M), da FGV, registra alta de 3,39% no acumulado até agosto. O item materiais e equipamentos tem alta um pouco maior, de 5,05%.
Esses porcentuais são menores do que os indicados por levantamentos feitos por entidades da construção civil, que apontam quatro itens como os que tiveram aumentos mais relevantes e que impactam no custo total das obras: cimento, aço, cobre e tubos de PVC. Uma pesquisa feita pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR) com associados mostrou avanços mais significativos nos preços. O cimento, por exemplo, aumentou 66% entre janeiro e agosto – o custo do saco passou de R$ 16,30 para R$ 27.
O presidente do Sinduscon-PR, Rodrigo Assis, argumenta que os aumentos dos preços dos materiais de construção são significativos e passaram a figurar como abusivos. “Até março, estávamos em escala alta de investimentos e lançamentos. Veio a pandemia e estancou tudo. Aí o mercado meio estancado, parado e os insumos subindo? A construção civil é locomotiva do país. Como vai conduzir a retomada assim?”, argumenta.
O setor, por meio da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), entregou um documento à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (Secap) do Ministério da Economia em que aponta evidências de abuso no aumento do preço de materiais de construção durante a pandemia. A Secap informou que recebeu o documento no fim da semana, mas que ainda está analisando o texto.
Falta de materiais preocupa mais em alguns produtos
O presidente da CBIC, José Carlos Martins, pondera que há um momento natural de retomada de produção e recomposição de estoques dos materiais de construção, mas diz notar um movimento de “pé no freio” de setores da indústria, que acabam vendo o preço dos seus produtos subir constantemente.
O argumento é que as indústrias, especialmente de cimento e aço, diminuíram a produção em março, como reflexo natural das ações de mitigação dos efeitos do coronavírus. A CBIC aponta que o problema foi a indústria ignorar os sinais do setor, que já demandava mais materiais desde maio, e não acompanhar essa etapa da retomada, o que acabou levando a um aumento dos preços.
“Agora tem um duplo problema: retomar a produção e refazer o estoque”, argumenta Martins. O setor teme que os preços não caiam ao longo dos próximos meses e tragam à tona a memória inflacionária, em que há sucessivos reajustes de preços provocados por repasses dos aumentos que não são absorvidos pelo setor.
De acordo com Martins, os principais problemas são relacionados aos preços do cimento, aço, PVC e cobre. No caso do cobre, a explicação é que o produto é importado e o câmbio força o aumento. Em relação ao PVC, embora o Brasil possua várias empresas que produzem tubos e outros materiais, só há uma empresa que refina a matéria-prima, o que encarece.
A bronca maior do setor é com o custo do cimento e do aço. Nos dois casos, o argumento gira em torno da produção abaixo da capacidade e de questões técnicas, como o desligamento dos altos-fornos da indústria siderúrgica. Martins relata que há grandes construtoras que paralisaram obras por falta de aço. E Assis conta que os reajustes do preço do cimento estão sendo constantes e que há casos de compras canceladas para serem refeitas com o novo preço do produto.
Procurados pela Gazeta do Povo, representantes do setor do cimento e do aço rebateram as acusações feitas pela construção civil.
O Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) informou, por meio de nota, que não comenta preços, mas que a produção do setor está em 55 milhões de toneladas por ano e apenas em agosto vendeu 5,7 milhões de toneladas do produto. “Estes números são resultados da atividade de 80 fábricas do setor que permanecem ativas de um total de 100 fábricas instaladas no país”, diz o texto.
O SNIC afirma que a indústria não interrompeu o funcionamento ao longo da pandemia e ainda investiu cerca de R$ 65 milhões em medidas de adaptação por causa da pandemia. Segundo a nota, “o setor cimenteiro mantém seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social do país e para isso continua trabalhando e atuando fortemente e em sintonia com a cadeia produtiva da construção civil”.
O presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, rebateu as críticas e garantiu que não há escassez de produto no mercado. De acordo com ele, a produção do setor foi fortemente atingida por causa da pandemia, o que levou a uma queda de até 80% no consumo de aço no país – principalmente em abril, quando o setor automotivo parou e a área de bens de capital se retraiu.
Com apenas a construção civil demandando produtos, foi preciso adaptar a produção, já que a indústria siderúrgica passou a operar com 42% da capacidade instalada por falta de demanda. “Nesse momento, tivemos de abafar 13 altos-fornos e outros equipamentos que afetam o processo produtivo”, explica.
Segundo Lopes, o setor está se recuperando em “V” e, desde junho, opera no mesmo patamar do início de 2020. Até o momento, quatro altos-fornos já foram religados. Ele explica que, para a indústria, ficar com forno parado é prejuízo, mas esses equipamentos não podem ser ligados e desligados com um simples apertar de botão. “A decisão de abafar um forno é muito difícil. Você só abafa quando está operando abaixo do mínimo necessário para ter resultados. Desligar é uma decisão dramática, mas o religamento é muito bem-vindo”, diz.
De acordo com Lopes, dependendo do modo como é feito o abafamento do alto forno, é preciso esperar até quatro meses para fazer o religamento, sem contar possíveis intervenções caso haja uma solidificação de material no forno.
“Já estamos produzindo e vendendo o mesmo que antes. Essa demanda não é só pra consumo, mas também para reposição de estoque. O setor está trabalhando a plena para poder atender a tudo, mas esse é um período de ajustamento para adequar oferta e demanda. Não existe escassez”, diz.
Além dessa questão, o custo dos insumos da indústria subiu: minério de ferro, sucata e carvão são dolarizados e foram afetados pelo câmbio, já que o real perdeu valor em relação ao dólar.
Como a alta dos preços afetou quem constrói
A alta dos preços e escassez de alguns materiais de construção foram relatadas. Do interior de Santa Catarina, vieram relatos de reformas paradas por falta de tijolos nas lojas.
No Paraná, um serralheiro só está aceitando novos trabalhos quando já tem o produto necessário para o projeto. As razões apontadas pelo empresário, que preferiu não se identificar, foram a demora para chegada de novas remessas, que demoram até 45 dias, e também a incerteza em relação ao preço, o que compromete a proposta de orçamento.
Dois empresários que atuam nos segmentos de obras públicas e moradias populares estão apreensivos com as altas, tanto pelo impacto financeiro devido à inflação dos materiais de construção quando por atrasos nas entregas dos insumos.
O empresário Tiago Guetter dirige uma construtora que atua em obras públicas no Paraná e em Santa Catarina. Ele diz que nos últimos 90 dias, sentiu mais fortemente o aumento de diversos insumos, bem como demora e restrição para a entrega de alguns produtos.
“Foi um aumento repentino e muitas empresas [como a dele] estão entrando em contato com os contratantes para alertar sobre a situação e solicitar reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos”, diz. Ele explica que esse procedimento é necessário porque há um temor de que essa situação provoque paralisação e atraso nas obras.
O engenheiro Normando Antônio Baú, que é sócio da Balcon Empreendimentos e trabalha também com moradias populares, se diz “com os cabelos em pé”. Ele explica que a preocupação é maior nos casos dos empreendimentos que fazem parte do Minha Casa, Minha Vida – agora Casa Verde e Amarela. Esses imóveis, contratados com a Caixa Econômica, seguem um orçamento rígido, já estão vendidos e não há espaço para reajustes: o prejuízo acaba sendo absorvido pela construtora.
Ele explica que esses insumos, que não têm substitutos, representam um impacto muito grande no custo do empreendimento. A estrutura – lajes, vigas, pilares – consome um quarto do valor da obra e concentram itens que tiveram mais reajuste.
No alerta ao governo, o setor demonstra preocupação até com a continuidade do calendário de obras públicas e das moradias populares – vale lembrar que a aposta do Casa Verde Amarela é uma taxa de juros menor, que possibilitará fazer mais unidades com menos recursos totais. O aumento do custo das obras acarretado pela alta no preço dos materiais de construção pode acabar inviabilizando essas iniciativas.
Com informações a Tribuna
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