Com a destituição do presidente Martin Vizcarra pelo Congresso, o Peru vai ter seu terceiro mandatário em um período de menos de cinco anos. Concretiza-se, assim, a cassação da chapa Pablo Kuczynski/Martin Vizcarra, eleita em 2016, cada qual na sua vez. Cada qual afastado em diferentes processos de impeachment, sendo que, no caso de Vizcarra, o segundo que ele enfrentou no mesmo ano.
Enquanto no Brasil, falou-se em colocar o Ministério Público e o Judiciário “na sua caixinha”, por parte de um candidato a presidência em 2018, e se Jair Bolsonaro afirma que não há mais necessidade de Operação Lava Jato, porque a “corrupção acabou no seu governo”, a filial dela no Peru segue cortando cabeças com a foice afiada.
No centro das investigações e processos da Lava Jato peruana, estão as supostas propinas pagas a políticos pela Odebrecht, obtidas por meio de delações premiadas, de forma análoga ao que aconteceu no Brasil. Essa operação não poupa ex-presidentes: Ollanta Humala, presidente de 2011 a 2016, e ex-tenente coronel do Exército, foi preso e condenado em 2017. Alan Garcia, presidente por dois mandatos, preferiu cometer suicídio antes de sofrer destino semelhante.
Se na década de 1970 tivemos a Operação Condor no continente, na década que termina agora o Governo Obama-Biden constituiu um mecanismo de interferência muito mais insidioso, dirigido pelo Departamento de Justiça dos EUA, em parceria com agências de inteligência, para influir na política sul-americana, com o objetivo de bloquear a integração e diminuir a capacidade de influência do Brasil.
Por isso, o foco nas empresas brasileiras, como a Odebrecht, e também, por isso, o foco no Peru. Este país é banhado pelo Oceano Pacífico e possui um papel estratégico para o Brasil, uma vez integrado em uma rede de infraestrutura, de rodovias, ferrovias etc, pode ligar o Brasil à Ásia/Pacífico.
Assim sendo, constitui objetivo estratégico dos Estados Unidos evitar a integração Brasil e Peru, mantendo os países da borda do Pacífico, como o Chile, Equador e Colômbia, mais perto de sua esfera de influência e mais longe do Brasil. Para tanto, pode denunciar o crescimento do Brasil no eixo que liga ao Peru, que passa pelo Centro Oeste e por áreas da Amazônia Legal, como causadora de “desequilíbrios ecológicos”, ou passar um pente fino nos contratos de construção de infraestrutura na região. A outra face da moeda dessa iniciativa é a “transparência” no setor público e o “combate à corrupção”.
Foi-se o tempo em que o “império” procurava governar suas “colônias”, mantendo o mínimo de ordem, mesmo em uma relação desigual. Hoje, prefere gerenciar essas áreas por meio do caos social, estratégia que foi experimentada primeiro no Oriente Médio, após a Guerra do Iraque, durante os governos Bush e Obama, conforme bem denunciou o analista polítco Thierry Meyssan.
Não à toa, igualmente, estes países, tirando a Colômbia, passam por convulsões sociais de grande magnitude, das quais o Chile é o melhor exemplo, atualmente. No caso peruano, além da crise política soma-se a crise na saúde pública, em que o Peru é um dos países mais afetados pela pandemia do Covid-19 em todo o mundo. Diante da destituição de Vizcarra, milhares saíram às ruas, malgrado a pandemia, para protestar contra o Congresso, chamando-o, em defesa do presidente destituído, de golpista.
Em um cenário turbulento, assume a presidência interinamente Manuel Merino Lama, que presidia o Congresso Nacional peruano. Efetivado no cargo, ficará na presidência até meados do ano que vem, quando haverá novas eleições presidenciais.