Podemos definir democracia como “regime em que há liberdade de associação e de expressão e no qual não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários”. É uma definição de dicionário que nos serve perfeitamente. Ora, a liberdade de expressão está contida na definição que destacamos e entendemos ser este o princípio basilar, sem o qual nenhum outro poderia ser possível. Alguns mais românticos diriam que a discussão pública de ideias, muitas vezes contrárias entre si, é a verdadeira substância da democracia. Infelizmente, qualquer seja o entendimento conceitual adotado, temos que admitir que a liberdade de expressão está cada dia mais sendo tolhida do debate público.
A questão da pandemia nos deixou isso claro. Uma só narrativa prevalece. Não discutimos quais as possíveis soluções e caminhos para os problemas que enfrentamos. Discutimos em detalhes cada vez maiores a corrente predominante – eleita por grande parte da mídia e formadores de opinião como a única que merece discussão – e quem pensa diferente e expressa sua discordância em relação a temas como: lockdown, racismo, fascismo, feminismo e nacionalismo (isso somente para exemplificarmos os principais); é subtraído do seu direito de opinar. Como podemos falar que estamos em uma democracia plena se existe o linchamento público na simples proposição da discussão de um caminho a ser tomado sobre algum tema relevante socialmente?
O enfraquecimento das bases da democracia, já que estão sendo atacados alguns de seus pilares, se reflete no enfraquecimento de nossos institutos democráticos. Podemos discordar do nosso órgão jurídico supremo, ou do ministério que defende as causas públicas. Da mesma forma, também podemos discordar de nosso poder legislativo e executivo. Entretanto, não podemos deixar de entendê-los como a instrumentalização da nossa democracia. E uma parte representativa de nossa sociedade está cada dia mais não se sentindo representada por nenhuma dessas instituições
Logo, a democracia que seria uma “realização do processo civilizatório”, simplesmente perde a sua razão de ser – já que, para aqueles que mais se preocupam com resultados do que com os conceitos, a democracia em si de nada serve. A partir de então, enquanto se avolumam as vozes expressando descaso com a democracia e seus resultados, brotam cá e lá gritos histéricos pavorosos com as opiniões supostamente antidemocráticas.
Lamentavelmente, o debate está sendo calado por grande parte de nossas instituições – que deveriam ser depositárias de nossa confiança e apreço. Para além de ceifá-lo, tais instituições ousam até mesmo torná-lo criminoso, para (podemos pensar assim) dissuadir os futuros debatedores contrários à narrativa imposta.
Estamos diante de uma mudança social e desequilíbrio de forças no contrato social que há meses era impensável. Várias cidades da nossa república têm atualmente toque de recolher em tempos de paz. As vozes que clamam por uma discussão mais ampla de tão temas essenciais quanto esses já são ceifadas antes mesmo de se ouvir o que têm a dizer.
Perdemos nossa liberdade natural ao conquistar nossa liberdade civil. E nossa liberdade civil não vale muita coisa se não pudermos ter um debate público entre diferentes ideias – não apenas com respeito mútuo, mas também respeitando a vontade da maioria que, gostemos ou não, foi expressa no voto popular. Então devemos, se quisermos preservar nossa democracia e instituições democráticas, não alijar a participação de grande parte da população do debate público.
Fernando M.