Por Felipe Quintas
As fake news que tanto incomodam os neoliberais – o que inclui a direita republicana/democrata-cristã e a esquerda democrata/social-democrata -, por mais toscas que sejam, são as primeiras formas de reação às instituições e ideologias que, nos últimos 40 anos, degradaram o tecido social das nações e fizeram com que, pela primeira vez em muito tempo, a expectativa geral seja de que as gerações mais jovens vivam pior que os seus pais.
A ideia básica de que as elites globalistas querem dominar os povos nacionais, privando-os do seu emprego, do seu lar, da sua família, da sua religião, é, em essência, correta, e explica tudo o que as forças neoliberais fazem há décadas – e que a própria esquerda não-corporativa, na sua marginalidade, denunciava não faz muito tempo.
O chamado progressismo, ideologia oficial dos meios corporativos, é, trocando em miúdos, pouco mais do que a glamourização da precariedade, ao vender estilos de vida que são como o próprio capitalismo liberal: frívolos, etéreos e adversos à construção de uma narrativa de vida de longo-prazo. Quer proteger o planeta? Coma gafanhotos e não viaje de avião. É homossexual? Seja uma caricatura da Lady Gaga. Engravidou e não tem condições de criar o filho? Aborte, pois não haverá amparo à maternidade. É mulato(a) e tem uma avó branca que trocou suas fraldas e sempre te tratou de você? Nutra ódio e rancor por ela. Tem um filho meio efeminado ou uma filha meio masculinizada? Troque o sexo deles e os incapacite para sempre. Está frustrado com o mundo que existe hoje? Entupa-se de drogas e vá dançar macarena com um elefante cor-de-abóbora. E por aí vai.
Até mesmo a paranoia anti-marxista e anti-China, falsa por definição – afinal, não existem elites marxistas globais, tampouco a China obrigou algum país a qualquer coisa – tem algum elemento de verdade.
A China foi o único país do mundo que, enquanto Nação, se beneficiou do neoliberalismo ocidental, com a anuência e a camaradagem dos centros financeiros e industriais ocidentais. É natural que seja vista com suspeita e desconfiança – a mesma suspeita e desconfiança que os comunistas soviéticos tinham em relação às social-democracias europeias, aos governos nacionalistas latino-americanos e à própria China.
O marxismo, por sua vez – pelo menos no que dependeu de Marx e Engels – é, fora do campo liberal, a única ideologia aceleracionista do capitalismo. Marx nunca entendeu o comunismo como antítese, pura e simples, do capitalismo – essa era a ideologia capitalista da Guerra Fria, aliás – mas como a superação do capitalismo, o que, em termos dialéticos, demanda a “realização” plena do capitalismo, isto é, o capitalismo ser levado às suas últimas consequências.
Marx sabia que essas últimas consequências significariam o arruinamento das nações e das sociedades, mas dizia ser essa uma etapa necessária para a redentora revolução do proletariado. Para Marx, Mises é necessário – como escada, mas é necessário. “Aguentem firme que no final vai dar tudo certo”, é essa a mensagem que Marx, contrapondo-se aos socialistas e reformistas em geral que desejavam mudanças institucionais imediatas para melhorar a vida das pessoas simples. Até mesmo no campo liberal, é difícil achar uma justificativa tão friamente contundente para o capitalismo selvagem/liberal e contra o reformismo social quanto a que Marx encontrou.
Para sorte dos neoliberais, Trump, Bannon, Olavo e cia. – eles mesmos ligados direta ou indiretamente ao setor corporativo do capitalismo – conseguiram domesticar esse impulso “negacionista” de grande parte da população para ajustá-lo aos interesses da plutocracia financeira, o que contribuiu para a desmoralização parcial desse impulso transgressor, manifesta na derrota eleitoral do Trump e na patinhagem do Bolsonaro.
Porém, na medida em que estão sendo descartados por essa plutocracia (vide a prisão do Bannon), o espaço que ocupavam poderá ser preenchido, de forma mais coerente, por forças realmente antissistêmicas, que tragam de volta os valores da Nação, do Estado e da comunidade para realizar a soberania, o desenvolvimento e o bem estar dos povos.
É isso o que os neoliberais mais temem, pois, nesse momento, ficará claro que eles são os verdadeiros negacionistas e autoritários – os que negam as bases políticas, materiais e morais da dignidade humana por meio do poder totalitário das finanças e das comunicações.
PERFEITO, Quintas