Por Luís Antonio Paulino.
Clyde Prestowitz, um veterano negociador comercial dos Estados Unidos, que chefiou a primeira missão comercial para a China, em 1982, e foi assessor do presidente Reagan, acaba de publicar um livro sobre o que ele acha deveria ser a estratégia americana para conter a China. Logo no início ele relata uma conversa que teve, no início de 2019, com uma alta autoridade de Singapura a respeito das relações daquele país com a China. Na conversa, essa alta autoridade afirma o seguinte: “nós não queremos ser forçados a escolher entre os Estados Unidos e a China. Claro, em nossos corações torcemos pelos Estados Unidos. Mas para o bem de nossos bolsos e nossos estômagos, nós temos que ser cuidadosos quando tratamos com a China”.
Trata-se de uma atitude sensata para um país que, mesmo sendo aliado dos Estados Unidos, tem elevada dependência em relação à China. Infelizmente Ernesto Araújo e Bolsonaro não demonstram a mesma sensatez. Mesmo com o Brasil se tornando cada vez mais dependente da China, insistem em manter uma atitude agressiva e por vezes grosseira em relação àquele país, pondo em risco os interesses do Brasil e nomeadamente do agronegócio brasileiro.
Conforme noticiou o jornal o Estado de S.Paulo, no dia 14/02/2021, “a participação chinesa nas vendas do Brasil ao exterior avançou 4 pontos porcentuais no ano passado e atingiu 32,3% do total. Em ano de pandemia, as exportações aos chineses subiram 7%, de US$ 63,4 bilhões para US$ 67,8 bilhões. Enquanto isso, o total de exportações brasileiras caiu de US$ 225,4 bilhões, em 2019, para US$ 209,9 bilhões em 2020, por causa da crise internacional.
Essa dependência do Brasil em relação à China já vinha aumentando nos últimos anos, mas com a pandemia as vendas para a China deram um grande salto, passando de cerca de um quarto para um terço das exportações totais do Brasil. Como destaca o Estado de S. Paulo (24/02/2021), “há 20 anos a China não figurava sequer entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil, respondendo por 2% das exportações nacionais, enquanto os EUA, principal parceiro à época, respondiam por 24%. Já em 2004, a China saltou para a quarta posição, e em 2009, com a crise financeira global, assumiu o primeiro lugar, onde se mantém e se manterá num futuro previsível. Na última década, o Brasil acumulou mais de US$ 170 bilhões de superávit com a China – 48% do saldo positivo com todo o mundo”.
Ernesto Araújo já falou que o Brasil não deveria se preocupar porque a China não teria outra alternativa a não ser comprar do Brasil. Isso pode até ser verdade no curto prazo, mas os efeitos a médio e longo prazos podem ser extremamente danosos. País nenhum, e muito menos a China, com 1,4 bilhão de bocas para alimentar, vai querer ficar dependente de um parceiro comercial em quem não pode confiar. Aliás, é o que já está ocorrendo.
Prova disso é o novo plano quinquenal da China para a produção agrícola. Matéria do South China Morning Post, de 23/02/2021, informa que o governo chinês acaba de publicar um novo plano quinquenal de revitalização rural que tem como principal foco a segurança alimentar e a autossuficiência na produção de alimentos para sua população de 1,4 bilhão de habitantes.
Em conferência para a imprensa, o ministro da Agricultura, Tang Renjian, afirmou que “A incerteza e a instabilidade da situação externa aumentaram significativamente; não devemos menosprezar a questão de segurança alimentar sequer por um momento (…) Devemos elevar o fator de segurança o mais alto possível, e produzir e armazenar mais grãos, tanto quanto possível”. De acordo com o novo plano quinquenal a China planeja alcançar uma produção anual de grãos de mais de 650 milhões de toneladas (em 2020 já produziu 669,49 milhões de toneladas) e a criação de 100 milhões de mu (6,67 milhões de hectares) de terras aráveis de alta qualidade que podem garantir colheitas abundantes, apesar dos desastres naturais”.
Uma das prioridades, segundo o “documento nº 1” do plano quinquenal, é melhorar a política de subsídios aos produtores de milho e soja; encorajar o plantio de alimentos de alta qualidade para animais, como milho para silagem; estabilizar a produção de soja; e proteger a capacidade básica de produção de suínos enquanto diversifica suas fontes para importações agrícolas. Parece que o documento foi escrito pensando no Brasil.
Publicado no Portal Bonifácio em 10.03.2021.