Por Alexandre Chivale*
À medida que os meses se sucedem, ressurgem com força os golpes de Estado no continente africano, com maior incidência na África Ocidental, de forte influência francesa. Tirando a famosa tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, de Umaro Sissocó Embaló (que alguns analistas classificam como mais um dos maiores teatros do mundo, só equiparado a um outro ensaiado na Turquia), nos outros casos os anteriores líderes foram apeados do poder.
Em linguagem simples, um golpe de estado é a tomada repentina do poder político por um grupo poderoso de forma ilegal, violenta ou pela força, geralmente realizada pelos militares ou com o apoio de grupos armados. Distingue-se dos conceitos de revolta, motim, rebelião, revolução ou guerra civil. Normalmente, esses termos são usados com pouca propriedade ou com intenções propagandísticas e, no decorrer de eventos e processos históricos, muitas vezes são combinados entre si.
Com base no enunciado acima haveria de enumerar os casos do Mali (24/5/21), Guiné-Conacri (5/9/21), Sudão (25/10/21) e Burquina Fasso (23/1/22), como casos recentes de golpes de Estado perpetrados por militares, que substituíram civis na chefia do Estado. Nessa perspectiva, poderíamos ser tentados a pensar que só são golpes de Estado o alcance do poder por via militar.
Entretanto, a prática nos ensina algo absolutamente mais funesto e sofisticado. É o que assistimos, por exemplo, na Tunísia, em 25/7/21, em que o presidente Kais Saied determinou a suspensão por 30 dias das atividades do Parlamento e a destituição do primeiro-ministro, Hichem Mechichi, atribuindo-se plenos poderes executivos. O fato levou a que o partido Ennahda considerasse a decisão do presidente Saied um “golpe contra a revolução e a Constituição”.
Outro exemplo é o que se sucedeu em 21/4/21, no Chade, onde o general Mahamat Idriss Déby, filho de Idriss Déby Itno, assumiu o governo com plenos poderes após a morte de seu pai, que liderou o país por 20 anos. De apenas 37 anos, Déby dissolveu a Assembleia Nacional e o governo, e “ocupa as funções de presidente da República, chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas”, o que foi apelidado de “golpe institucional” pelos partidos da oposição.
Se no caso do Chade é legítimo considerar a ascensão do general Mahamat Idriss Déby como uma transição de linhagem, própria das monarquias, no caso da Tunísia temos um verdadeiro golpe constitucional, que se consubstancia na alteração das regras de jogo, com o exclusivo objetivo de manutenção do poder.
Apesar de concordar com o crescente coro de críticas, sobretudo na União Africana e de outros blocos regionais como a CEDEAO e a SADC, contra os golpes militares, não deixo de registar a hipocrisia coletiva que dos mesmos se apossa quando se trata de golpes constitucionais.
Um dos exemplos flagrantes de golpe constitucional que foi apadrinhado graças à referida hipocrisia coletiva é o do ex-presidente da Guiné Conacri Alpha Condé, professor de Direito Constitucional em Sourbone, que, contra tudo que ensinava na universidade gaulesa, mais particularmente, o respeito pela Constituição, promoveu a sua alteração para acomodar um terceiro mandato, isto é, alterando as regras de jogo no decorrer do mesmo, no seu próprio interesse.
E neste exercício de convocação de golpes constitucionais recorre-se à psicologia de massas, ao se alegar que, apesar de o incumbente pretender respeitar a Constituição que jurou defender, foi por vontade do povo que se procedeu à alteração da lei-mãe. E para provar que tal não passa de um artifício fraudulento para enganar terceiros de boa fé, o povo aplaudiu efusivamente o tenente-coronel Mamady Dombouia, que protagonizou o que designo “contra-golpe” na Guiné Conacri, removendo Alpha Condé do poder..
Por isso, defendo com força que a veemência com que nos opomos aos golpes militares deve ser a mesma para nos insurgirmos contra os golpes constitucionais, corporizados na fraudulenta institucionalização dos chamados “terceiros mandatos”, sob pena de os golpes militares virarem moda. E não parece ter sido esse o sonho de Kwame Nkrumah [ex-presidente de Gana, um dos fundadores do pan-africanismo].
E porque morrer é daqui para aqui, podemos convidar Gambeta para acender o fogo de artifício que rapidamente faça desaparecer os apetites do terceiro mandato no nosso continente.
É que se a moda pega…
*Alexandre Chivale é moçambicano, advogado e analista político