
Por Movimento de Solidariedade Ibero-americana.
Antes da guerra na Ucrânia, a agenda da “sustentabilidade” vinha de vento em popa, com uma vinculação acelerada de toda sorte de atividades produtivas e políticas de desenvolvimento às pautas definidas pela “descarbonização” das matrizes energéticas e pelas normas ESG (meio ambiente, social e governança), a nova coqueluche do gerenciamento empresarial, como critérios cada vez mais ubíquos para a definição de investimentos privados e políticas públicas.
Para os mais aguerridos entusiastas da agenda, o futuro apontava para uma substituição relativamente rápida dos combustíveis fósseis e da energia nuclear por fontes “limpas”, com ênfase na geração eólica e solar e, um pouco menos, no hidrogênio e outras, permitindo vislumbrar um cenário global de emissões “líquidas zero” até meados do século, com 2050 como o ano de referência.
Nesse cenário, em que, teoricamente, todas as emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases de efeito estufa ainda provenientes das atividades produtivas humanas seriam compensadas por métodos naturais e artificiais de captura de carbono, a “neutralidade de carbono” (ou emissões “líquidas zero”) constituir-se-ia em uma virtual moeda de referência internacional, uma espécie de “carbodólar”, estabelecido sobre a hegemonia da moeda estadunidense como meio de troca global e controlado pela vasta estrutura financeira que vem sendo montada para arbitrar os fluxos de investimentos com base em tais critérios.
Para tal fim, a ciência do clima foi virtualmente cooptada por uma verdadeira “indústria do aquecimentismo”, colocando-se de lado o método científico e o registro paleoclimático, que assinala temperaturas atmosféricas e oceânicas e níveis do mar superiores aos atuais antes da Revolução Industrial do século XVIII. Igualmente, quaisquer contestações ao cenário alarmista que responsabiliza as atividades humanas pela ligeira elevação dos termômetros e marégrafos desde meados do século XIX (que se encontram perfeitamente dentro das oscilações naturais registradas nos séculos e milênios anteriores), passaram a ser alvos de uma contestação agressiva e anticientífica, idêntica ao processo de “cancelamento” agora aplicado aos dissidentes da versão prevalecente no Ocidente sobre a guerra.
Como mensageira desse admirável mundo novo, foi selecionada a adolescente sueca Greta Thunberg, convertida em ícone juvenil da cruzada anticarbono, que a anunciou ao mundo na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos-Kloster, Suíça, em janeiro de 2019. Como proclamou na ocasião:
“Nenhum outro desafio atual pode se comparar à importância de se estabelecer uma ampla percepção e entendimento público do nosso balanço global de carbono, que está desaparecendo rapidamente, que deveria e deve se tornar a nossa nova moeda global e o próprio coração da nossa futura e presente economia [grifos nossos]”.

Um ano depois, no mesmo fórum (embora de maneira virtual, devido à pandemia), o todo poderoso CEO do megafundo de ativos BlackRock, Larry Fink, reforçou o “recado”:
Vamos precisar de 50 trilhões de dólares em investimentos para chegar a um mundo de emissões líquidas zero… Na medida em que mais empresas divulgarem seus relatórios e tivermos dados melhores em cada nível corporativo, seremos capazes de customizar e personalizar os portfólios. Isto vai fazer a diferença entre as companhias que serão bem-sucedidas e as que não serão [grifos nossos].
A mensagem era clara: as empresas que não se enquadrassem na agenda ESG, principalmente, aquelas com operações internacionais, correriam sérios riscos em seus negócios.
Fink tem cacife para bancar o ultimato. O BlackRock é o maior gestor de ativos do mundo, com um portfólio superior a 10 trilhões de dólares, mais de duas vezes o PIB da Alemanha e mais de quatro vezes o do Brasil. Sem surpresa, a empresa é uma das mais envolvidas no planejamento e preparação da agenda das “finanças sustentáveis”.
Da mesma forma, não é coincidência que um número crescente de fundos de ativos, os novos pesos pesados das finanças globais, esteja aderindo à pauta dos “desinvestimentos” em empresas de combustíveis fósseis, sinalizando uma gradativa transferência da influência do “petrodólar” – um dos pilares da hegemonia dos EUA no último meio século – para o “carbodólar”, o novo cavalo de batalha das elites oligárquicas do Hemisfério Norte.
Com a consolidação dessa pauta, as elites globalizadas que idealizaram, financiam e mobilizam o movimento ambientalista-indigenista internacional, como uma força de guerra híbrida contra os países em desenvolvimento, atingiriam os objetivos primordiais para os quais ele foi criado: manter sob controle o avanço socioeconômico e o crescimento populacional daqueles países; “preservar” os seus recursos naturais como reservas estratégicas para usufruto futuro das potências hegemônicas; e, desde a crise de 2008, converter em ativos reais pelo menos parte do colossal montante de instrumentos especulativos que inflou uma megabolha financeira mais de 20 vezes superior ao PIB mundial.
Todavia, a guerra mudou rapidamente esse cenário, com os desdobramentos das sanções impostas à Rússia por um bloco de nações encabeçado pelos EUA e a União Europeia (UE), as quais incluíram o “congelamento” das reservas russas em dólares e euros depositadas em bancos desses países e a intenção de reduzir rapidamente as importações de petróleo e gás natural russos.
Esta última opção implicará no maior uso de carvão e hidrocarbonetos mais poluentes, caso do gás de folhelhos (shale gas) importado dos EUA, o que levou o ex-presidente russo Dmitri Medvedev a fazer um irônico comentário: “A quem importam agora o aquecimento global e os objetivos de desenvolvimento sustentável declarados pela ONU?… É surpreendente como, sem pensar um segundo, os europeus cuspiram sobre todos os seus ‘valores imutáveis’ das últimas décadas, todos os ‘desafios e ameaças globais’ (RT, 11/04/2022).”
Por outro lado, ninguém menos que Larry Fink chamou atenção para as consequências, em uma carta aos acionistas do BlackRock:
A invasão russa da Ucrânia pôs um fim na globalização que temos experimentado nas últimas três décadas… Em resposta ao choque de energia causado pela guerra, muitos países estão procurando novas fontes de energia. Nos EUA, grande parte do foco está no aumento da oferta de petróleo e gás e, na Europa e Ásia, o consumo de carvão deve aumentar ao longo do próximo ano. No curto prazo, inevitavelmente, isso irá desacelerar o progresso do mundo rumo ao [carbono] zero líquido.
O principal desdobramento das sanções tem sido o de catalisar a emergência de um novo sistema financeiro internacional paralelo ao baseado no dólar, que tem entre os mentores o economista russo Sergei Glazyev, membro da Academia Russa de Ciências, ex-assessor presidencial e ministro de Integração e Macroeconomia da União Econômica Eurasiática. A iniciativa, liderada pela China e a Rússia, contempla, essencialmente:
– o uso crescente de moedas nacionais em transações comerciais bilaterais, como os acordos já acertados para as vendas de petróleo entre a China e a Arábia Saudita, Rússia e Índia e outros;
– o estabelecimento de uma moeda de referência escritural lastreada em uma cesta de moedas relevantes e em um conjunto de commodities, inclusive ouro, metais estratégicos, hidrocarbonetos, grãos e outras.
Em especial, o uso de matérias-primas selecionadas para lastrear a nova unidade de referência internacional, não só aumentará a sua importância estratégica, mas implicará na necessidade de um reforço do seu controle por parte dos Estados nacionais que aderirem ao novo sistema, limitando a influência dos mercados financeiros sobre a sua exploração. E, principalmente, reduzirá consideravelmente o papel de “reservas estratégicas” que lhes foi destinado pelas elites oligárquicas que criaram o ambientalismo, na segunda metade do século XX.
Como não mais de 30 países aderiram às sanções anti-russas, o sistema emergente tende a ser bastante atraente para as economias emergentes, cujas políticas de desenvolvimento têm sido sistematicamente constrangidas pelas instituições financeiras privadas e multilaterais controladas por Washington e Londres.
Um esboço do novo sistema é discutido por Glaziev em uma entrevista ao sítio The Cradle (14/04/2022).
Em paralelo, a rivalidade entre os dois sistemas deverá dificultar a extensão das “finanças verdes” na forma como vêm sendo estruturadas pela alta finança globalizada, inclusive, quanto à adoção das normas ESG. O que não implica, necessariamente, em desprezo pelas questões ambientais, mas na adoção de critérios mais legítimos, objetivos e racionais para normatizá-las do que os que vêm sendo desenhados pelas instituições financeiras ocidentais. Com isso, países como o Brasil terão melhores condições de recuperar a soberania plena sobre os usos físicos e a exploração dos recursos dos seus territórios, há muito limitada pela interferência política e financeira do aparato ambientalista-indigenista.
De fato, a globalização como conhecemos chegou ao fim e, dificilmente, o “carbodólar” das elites oligárquicas euroatlânticas terá condições de prosperar como planejado. A maior parte do planeta só tem a ganhar com isso.
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