
Por Raphael Machado.
Recentemente a Venezuela gerou certa controvérsia ao iniciar um movimento de pressão para convencer a Guiana a sentar com o governo venezuelano para procurar uma solução negociada para a controvérsia do território de Essequibo.
Na minha perspectiva, o Brasil não só deveria apoiar as pretensões venezuelanas contra a Guiana como aproveitar a oportunidade para, em troca, revisar a questão do Pirara.
A questão do Essequibo tem mais de cem anos. Os espanhóis expulsaram os holandeses da região em 1595, estabelecendo que os territórios a leste do Rio Esequibo eram holandeses, e a oeste eram espanhóis. Depois, os ingleses expulsaram os holandeses do leste do rio.
Depois, quando a Venezuela se tornou independente da Espanha, ela levou consigo a região do Essequibo. Desde já, porém, o novo governo venezuelano de Simón Bolívar teve que lidar com a invasão e ocupação do território venezuelano por colonos ingleses, já que essa era uma das partes menos habitadas da Venezuela e os colonos ingleses agiam instados por Londres.
O tema foi motivo de tentativas de negociações e pressões mútuas, até se tentar decidi-la por arbitragem internacional neutra. Venezuela e Grã-Bretanha pactuaram a organização de um tribunal arbitral em Paris, composto por dois venezuelanos, dois britânicos e um juiz de país neutro. Os britânicos, porém, conseguiram manobrar para substituir os juízes venezuelanos por estadunidenses. O tribunal, naturalmente, deu causa ganha aos britânicos, reconhecendo o oeste do Esequibo como território britânico.
A Venezuela, evidentemente, denunciou o resultado da decisão e continuou pressionando em relação ao tema até que nos anos 60 a Grã-Bretanha concordou com rediscutir as fronteiras territoriais, nos Acordos de Genebra. Logo em seguida a Grã-Bretanha deu independência à Guiana e disse que o problema não era mais da sua conta.
A Venezuela visa a retomada dessas discussões interrompidas com a independência da Guiana.

A Questão do Pirara, por sua vez, é uma história conexa.
A região é área disputada entre portugueses e espanhóis desde pelo menos o século XVIII, com a hegemonia portuguesa garantida pelo forte de São Joaquim.
Lá para o século XIX, época em que colonos ingleses começam a se espalhar pela região, um explorador alemão a serviço da Grã-Bretanha, Robert Schomburgk “mapeou” toda a área, tanto no nosso território como na parte espanhola, para estabelecer as suas “fronteiras naturais”. Foi ele que fundamentou as reivindicações britânicas contra a Venezuela e disse que o território de Roraima era pouco habitado, sugerindo aos britânicos colonizar.
Depois, os britânicos enviaram um missionário protestante, que converteu índios da região e hasteou a bandeira britânica no nordeste de Roraima, antes de ser expulso. Em seguida, novamente Schomburgk desenhou um mapa da região em que dizia que toda a região a leste do Rio Cotingo pertencia a tribos indígenas e não ao Brasil.
A situação se arrastou por mais décadas, até ser arbitrada em desfavor do Brasil em 1904, pelo rei Vitório Emanuel III da Itália, com toda a região a leste do Rio Maú entregue aos britânicos.
Retornando ao presente, o grande problema é que os Estados Unidos estão fazendo grandes investimentos na exploração de petróleo no território da Guiana, inclusive em território reivindicado pela Venezuela e diz-se que pretendem inclusive instalar uma base militar nessa região. Para o Brasil a mera presença de mais uma militar estadunidense perto da região amazônica já é ruinosa o bastante, ainda mais considerando que ela estará lá para garantir a exploração de petróleo (dentre outras coisas), enquanto os EUA nos pressionam para que não exploremos petróleo na região.
Uma base estadunidense na região se somará ao “arquipélago” de bases militares atlantistas que impõem um cerco ao Brasil e servem para garantir a fácil hegemonia do SOUTHCOM por meio de uma estratégia anaconda na América do Sul. O Brasil deve, portanto, além de tentar evitar a instalação da base estadunidense, apoiar as reivindicações da Venezuela contra a Guiana, revisando também a questão do Pirara e construindo com a Venezuela uma estratégia de defesa comum.
