Por Raphael Machado.
Depois de seis anos, Xi Jinping retornou aos EUA e chegou operando milagres. Desapareceram os moradores de rua, os cracudos, a criminalidade, tudo. Aliás, São Francisco mudou tanto nesses poucos dias que eu tenho certeza que os cidadãos de bem de lá gostariam que o líder chinês se mudassem para lá.
Infelizmente apenas os contornos gerais da reunião foram revelados, sem muitos detalhes específicos do encontro de 4 horas.
Sabe-se, por exemplo, que a China concordou com fiscalizar melhor a exportação da matéria-prima do fentanil para produtores ocidentais, o que era uma das preocupações principais dos ianques.
Naturalmente, as linhas de comunicação entre as forças armadas de ambos países também foram restauradas, seguindo a lógica de que nenhum dos dois países quer um conflito militar direto (no momento).
Toda a tensão de Antony Blinken durante a reunião, visível e risível, é fruto desse pavor absoluto dos EUA em se verem em uma guerra com a China agora. Esse pavor disparou após os exercícios militares chineses dos últimos meses, tanto os isolados, como os em conjunto com Rússia e Coreia do Norte, os em conjunto com o Paquistão dessa semana (que se deram logo após os exercícios Rússia-Myanmar), bem como os que acontecerão em alguns dias em conjunto com Laos, Camboja, Vietnã, Tailândia e Malásia.
A China não quer guerra, mas está demonstrando não temer um conflito e tem, claramente, respondido simetricamente às provocações ocidentais na região. O que causa espanto no Pentágono e foi um dos motivos dessa reunião.
Biden pediu a Xi que ele impeça o Irã de escalar o conflito com Israel. A resposta de Xi não foi relatada, o que significa que ele ou não falou nada, ou deu uma resposta evasiva.
Xi, por sua vez, reiterou a posição chinesa legítima e tradicional sobre Taiwan, e sua preocupação com o cerco estadunidense à ilha, bem como seu apoio às forças separatistas taiwanesas. Os estadunidenses, por sua vez, projetaram uma “preocupação” com uma suposta intimidação expansionista chinesa em relação aos “países pequenos” da região.
Em relação a essa questão, porém, infelizmente a realidade é que a preocupação com um confronto militar direto, por parte dos EUA, diz respeito apenas a seu medo de uma terceira frente da Terceira Guerra Mundial ser aberta no Pacífico neste momento.
A China, de fato, não quer conflito militar com os EUA. Os EUA não querem AGORA. Há uma grande diferença. Os EUA não deixarão de continuar a tentar instrumentalizar as Filipinas contra a China, bem como não deixarão de armar os separatistas taiwaneses.
A China, porém, já aglutinou, no Oriente, não apenas o apoio da frota russa no Pacífico e da Coreia do Norte, mas tem conseguido fortalecer os laços com a Tailândia, Laos e Camboja, e ainda evitar a cooptação do Vietnã pelos EUA.
Os EUA, porém, continuam considerando a China o seu principal inimigo e isso “escapou” parcialmente de Biden quando, por uma gafe, ele revelou que ainda considera Xi um ditador pelo mero fato de ele governar seu país por um sistema diferente do sistema liberal-democrático aplicado nos EUA.
A estratégia (estadunidense) de contenção da China não vai mudar. E o anseio chinês por tomar as rédeas do próprio destino, reunificar o país e reorientar a Ásia para longe da unipolaridade não vai mudar. Ou os EUA recuam, ou uma guerra no Pacífico é inevitável.
No que concerne a temática econômica, Biden expressou publicamente uma preocupação com um desacoplamento com a China. Essa preocupação ianque é real e profunda. Além da desdolarização, a China tem vendido muitos títulos da dívida dos EUA, abocanhado imensas reservas de ouro e, obviamente, dado rasteiras neles na “guerra dos chips”.
Nesse ponto, os dois países querem desacelerar as atribulações econômicas, porque nenhum dos dois, apesar de rumarem para uma colisão no futuro, querem evitar um colapso econômico.
Alguns adendos:
1. Algumas pessoas temiam que a China poderia abandonar a Rússia, o Irã (e a Palestina) e que esse encontro com os EUA seria um indício disso. Eu diria que esses temores se provaram infundados. Nenhuma mudança relevante no que concerne essas “frentes” virá dessa reunião. E os ataques de Biden a Xi obviamente não o convencerão a mudar de lado.
2. A reunião de Xi com executivos das megacorporações capitalistas (Apple, Pfizer, BlackRock, etc.) causou comentários preocupados de patriotas chineses, que enfatizaram o temor de que após o inevitável colapso dos EUA, essas forças globalistas maléficas e parasitárias fujam, como uma nuvem de gafanhotos, para a China, e cooptem o país.
3. Porém, eles comentam que enquanto o Estado seguir limitando a capacidade do poder econômico privado influenciar o poder político e a influência de interesses econômicos privados estrangeiros em cada setor da economia chinesa (especialmente tecnologia e finanças), a China estaria a salvo.