
Por Wolfgang Munchau.
N as eleições europeias de junho deste ano, estará em jogo tudo o que define a atual União Europeia (EU): um grande volume de legislação “zero líquida” (Net Zero), uma política externa “baseada em valores” e uma regulamentação empresarial cada vez mais intrusiva.
As pesquisas de opinião sugerem que a maioria centrista que apoiava essas políticas está a diminuir.
Ursula von der Leyen tem sido a representante por excelência dessa maioria. Nascida em Bruxelas, de nacionalidade alemã, proposta para o cargo pela França, era a candidata perfeita para presidente da Comissão Europeia no final de 2019.
Agora, ela está em busca de um segundo mandato. O seu sucesso dependerá, em grande medida, da capacidade da coligação centrista de quatro partidos que a apoiou em 2019.
O problema é que, em toda a Europa, estamos presenciando uma reação contra o tipo de políticas que a Comissão Europeia de von der Leyen representa.
A extrema-direita é parte dessa resposta, mas a principal mudança política ocorreu dentro do próprio grupo político de von der Leyen, o Partido Popular Europeu (PPE), do qual a Democracia Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) alemãs constituem os principais membros.
Essa reação se segue a uma das fases políticas mais agitadas da história recente da UE. Quando a Covid surgiu, no início de 2020, von der Leyen foi fundamental na criação do fundo de recuperação da UE para ajudar os países a lidar com as consequências econômicas da pandemia.
Depois, veio o Pacto Verde (Green Deal), uma robusta parcela de legislação sobre energias renováveis, utilização dos solos, silvicultura, eficiência energética, normas de emissões para automóveis e caminhões e uma diretiva sobre impostos sobre a energia.
Igualmente, houve um endurecimento das normas sobre pesticidas, qualidade do ar, poluição da água e águas residuais.
Os agricultores estão resistindo a este programa, porque ele afeta os seus meios de subsistência. Os industriais também estão descontentes. Uma grande parte do Pacto Verde se refere à sua política industrial, cuja legislação emblemática foi a Lei da Indústria Líquida Zero (Net Zero Industry Act).
A indústria costumava ser a maior apoiadora da UE.
Mas com as novas leis veio uma nova burocracia: agora, todos os investimentos financiados pela UE devem incluir um componente verde de pelo menos 30%, enquanto um mecanismo de ajuste das emissões de carbono nas fronteiras do bloco, que entrará em vigor em 2026, penalizará as importações que não cumpram os padrões de emissões de carbono da UE. Em conjunto, a legislação da UE nos últimos anos equivale a uma mudança quase total do regime empresarial.
O cumprimento de alguns regulamentos é praticamente impossível para empresas sem equipes jurídicas dedicadas. E isto vai piorar.
Neste momento, está em discussão uma lei sobre as cadeias de abastecimento, que pretende responsabilizar as empresas europeias por eventuais violações dos direitos humanos ocorridas nas suas cadeias de abastecimento – incluindo os fornecedores dos seus fornecedores.
Eu espero que a fase hiperativa dessa agenda verde termine com as eleições de junho. Parte dela pode até ser revertida. E começo até a duvidar de que a UE possa vir a cumprir a meta de eliminação progressiva dos automóveis movidos a combustíveis fósseis até 2035.
Isto é um desastre de política industrial em formação, porque os fabricantes de automóveis europeus estão com dificuldades para vender os seus carros elétricos.
É bastante instrutivo observar o que aconteceu com a política verde na Alemanha. A coligação do SPD (Social-Democracia) de centro-esquerda, dos Verdes e do liberal FDP (Partido Democrático Liberal) começou com grande entusiasmo em 2021, mas está agora irremediavelmente dividida.
Depois de uma série de leis impopulares, a onda antiverdes está em pleno vigor na Alemanha já há algum tempo. Tanto a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, como o novo partido populista de esquerda de Sahra Wagenknecht identificaram os Verdes como o seu principal adversário.
Eles os descrevem como membros das elites metropolitanas, impondo os seus valores urbanos às comunidades rurais. A linguagem sugere paralelos com o Brexit. Como a UE está associada a políticas partidárias de centro-esquerda, a oposição a essas políticas e a oposição à UE estão começando a fundir-se.
Foi a abolição repentina do subsídio ao diesel para veículos agrícolas que levou os agricultores a protestarem na Alemanha. Mas o seu descontentamento é mais profundo.
O que está acontecendo em toda a Europa é a primeira revolta organizada contra a agenda verde. A centro-direita descobriu o potencial de votos da oposição às políticas verdes. Os agricultores e as comunidades rurais estão a começar a reagir.
Uma consequência disto é que a coligação centrista já não é viável. Este é um desdobramento saudável. Quando partidos centristas sempre formam coligações entre eles, não deveríamos ficar surpreendidos ao ver partidos emergindo nas margens.
A reação dos centristas à ascensão da extrema-direita tem sido erguer barreiras de segurança – simplesmente, recusando-se a envolver-se com tais partidos.
No início, isso pode funcionar. Mas quando a extrema-direita ultrapassa certos limites de popularidade, como aconteceu na Alemanha, tais barreiras não conseguem resistir à aritmética eleitoral.
Em Bruxelas, o “firewall” está falhando. O PPE já se abriu ao grupo Conservadores e Reformistas Europeus, cujo membro mais influente é Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana de extrema-direita, que já manifestou o seu apoio a von der Leyen.
A grande questão de Meloni é a imigração: eu não descartaria a ideia de von der Leyen reunir novamente uma maioria; o que tenho dificuldade em imaginar é uma coligação que englobe tanto a esquerda como Meloni.
Não está claro se o Renovar a Europa, grupo liberal no Parlamento Europeu, seguirá apoiando von der Leyen. O apoio aos partidos liberais está enfraquecendo em toda parte, inclusive na França.
Na Holanda, o Partido para a Liberdade e a Democracia de Mark Rutte perdeu as eleições do ano passado. O FDP alemão luta pela sua sobrevivência política dentro da coligação governante em Berlim. A hiperativa agenda industrial verde de von der Leyen é a antítese daquilo que defendem os partidos liberais-conservadores como o FDP.
E aqui reside a ironia final. Se Ursula von der Leyen ganhar um segundo mandato, ela tende a passar a maior parte do tempo desfazendo o que fez no primeiro.