Por Redação de Diário da Saúde
Fragmentação da sociedade
A polarização e a radicalização que tem marcado as sociedades nos anos recentes, sobretudo na arena política, têm lançado preocupações não apenas sobre os riscos à democracia, mas também à própria coesão da sociedade.
E, de fato, a fragmentação acelerada da sociedade pode ser uma consequência direta do número crescente de contatos sociais, viabilizado pela internet e pelas mídias sociais.
Esta é a conclusão de cientistas do Núcleo de Ciências da Complexidade de Viena (Áustria).
Segundo Tuan Pham e seus colegas, as sociedades só podem ser coesas ou fragmentadas.
E, assim como a água se torna gelo ou gás em uma determinada temperatura, uma sociedade muda abruptamente de um estado para outro em certos pontos de inflexão.
Teoria da fragmentação social
Para sua teoria da fragmentação social, os pesquisadores usaram dois conceitos sociológicos clássicos, que foram testados empiricamente em centenas de estudos nas últimas décadas.
A primeira hipótese é a da homofilia, ou semelhança de ancestralidade: “As pessoas ficam mais felizes quando não discordam e não discutem com os outros,” explica Tuan Pham. “Para evitar o estresse, existe uma tendência de as opiniões dentro de um grupo se tornarem cada vez mais semelhantes e alinhadas entre si.”
O segundo conceito é a Teoria do Balanço Social (TBS), do psicólogo austríaco Fritz Heider (1946). Simplificando, a teoria descreve o fato de que as pessoas desejam garantir que seus amigos se deem bem. “Gostamos de construir triângulos sociais,” destaca o professor Stefan Thurner. “O que mais gostamos é quando todos os três no triângulo se amam. O que não gostamos é quando duas pessoas com quem temos boas relações não gostam ou discutem uma com a outra. Na verdade, tais estados de desequilíbrio ocorrem com muito menos frequência nas sociedades. “
Transição de fase: De coeso para fragmentado
Em seu modelo social simples, os pesquisadores combinaram a homofilia e a TBS com o princípio físico de minimização de energia.
“Aplicamos isso às sociedades e dizemos: As pessoas nas sociedades buscam o estado de menor estresse social,” disse Thurner. “E aqui vemos claramente dois estados de fase social: ou é coesa, o que significa que há coesão e a troca e a cooperação podem ocorrer, ou a sociedade se desintegra em pequenas bolhas de pessoas com ideias semelhantes. Embora, então, se deem bem entre si, a comunicação construtiva através das bolhas não é mais possível. A sociedade se fragmenta.
A transição entre essas duas fases sociais, dizem os pesquisadores, é abrupta. Mas o que causa a inflexão?
Na transição da fase da água, é a temperatura; nas sociedades, de acordo com a teoria, o ponto de inflexão é dado pelo número de contatos que as pessoas têm. E, graças à internet, celulares e mídias sociais, esse número explodiu nos últimos anos.
“Algumas décadas atrás, tínhamos que compartilhar nossa linha telefônica com outras famílias. Então, cada casa tinha uma linha, depois cada pessoa tinha seu próprio telefone. Hoje, os celulares nos conectam com pessoas de todo o mundo o tempo todo – e simultaneamente por vários canais,” explica Thurner.
Ocorre que isso está se tornando um problema para o bem-estar das pessoas. “Desentendimentos em pequenos grupos, por exemplo, disputas com duas em cada dez pessoas em uma família grande, são algo com que podemos lidar muito bem,” garante Tuan Pham. “Mas se 20 em cada 100 pessoas de repente estiverem contra mim, eu não aguento. Como consequência, vou evitar essas 20 pessoas no futuro. Em vez disso, vou ficar dentro das minhas próprias bolhas sociais. Isso é particularmente fácil no mundo online.”
Se muitas pessoas fizerem isso ao mesmo tempo, ocorre a fragmentação automática observada no novo modelo social. “Isso é tão certo quanto uma lei da natureza,” disse Thurner.
Democracias em risco
Se os pressupostos sociológicos da equipe estiverem corretos, podemos estar vivendo um enorme problema que pode colocar em risco nossas democracias, bem como a gestão de grandes desafios, como a crise climática ou futuras pandemias, diz a equipe.
“Se as pessoas permanecem dentro de suas bolhas e não estão mais dispostas a deixar essas zonas de conforto, como nós, como sociedade, podemos negociar questões importantes e chegar a compromissos que são a base de toda democracia? As duas últimas eleições nos EUA ou a disseminação cada vez mais rápida de teorias da conspiração mostram como esse desenvolvimento é real e potencialmente explosivo,” disse Tuan Pham.
Então, o que podemos fazer para salvar a democracia?
“O meio mais eficaz seria reduzir drasticamente os contatos novamente – isso é completamente irreal,” disse Thurner. “Nós realmente temos que pensar sobre isso com urgência.
Checagem com artigo científico:
Artigo: The effect of social balance on social fragmentation
Autores: Tuan Minh Pham, Imre Kondor, Rudolf Hanel, Stefan Thurner
Publicação: Journal of the Royal Society Interface
DOI: 10.1098/rsif.2020.0752