Por Geraldo Luis Lino
A pandemia de Covid-19 fez com que a grande mídia abrisse espaço para vários representantes do meio científico, convidados a apresentar os aspectos científicos e médicos da doença e do seu enfrentamento, além de questões referentes à Ciência em geral. Infelizmente, a maioria desses comentaristas tem seguido uma linha acirradamente oposta ao mal denominado “tratamento precoce” (que deveria ser chamado simplesmente de tratamento), quase invariavelmente rotulado como desprovido de comprovação científica, a despeito do acúmulo de evidências em contrário.
Um deles é a bióloga e microbiologista Natalia Pasternak Taschner, fundadora e presidente do Instituto Questão de Ciência, que escreve regularmente na coluna “A hora da Ciência” do jornal O Globo e é convidada habitual de entrevistas televisivas, em especial, na Globonews. Notória crítica do tratamento precoce, em sua coluna de 24 de julho, ela extrapolou para um ataque agressivo e generalizado a toda e qualquer discordância do suposto “consenso” sobre o enfrentamento da pandemia, estendendo as críticas a outras áreas científicas, como a climatologia.
Na coluna, intitulada “Falsas equivalências no debate científico”, Pasternak demonstrou não apenas desrespeito pelos profissionais sérios dos quais discorda, rotulando-os como “defensores de curas milagrosas”, como manifestou um total descompromisso com os princípios básicos do método científico.
De início, ela cita um acordo estabelecido entre os biólogos Stephen Jay Gould (já falecido) e Richard Dawkins, de não debater mais com defensores do criacionismo: “Após muitos anos incorrendo neste erro, ambos perceberam que, ao dividir espaço com negacionistas, emprestavam sua credibilidade e contribuíam para produzir uma falsa percepção de equivalência de posições.”
Para Pasternak:
O mesmo ocorre quando membros do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] debatem com negacionistas do clima, quando astrofísicos debatem com terraplanistas, quando vacinologistas debatem com os antivacinação, ou, mais recentemente, quando cientistas sérios debatem com promotores de curas milagrosas para a Covid-19. Cria-se uma ilusão de que a comunidade científica está “indecisa”, e que existem “dois lados” equivalentes.
Dois erros decorrem daí. Primeiro, a falha em comunicar consensos científicos bem estabelecidos, como o de que o aquecimento global é real e causado pelo ser humano. Segundo, dar a impressão de que o local adequado para um debate científico é um palanque ou um programa de televisão. (…)
Apesar de afirmar que a televisão não lugar para debates científicos, ela recorre a um exemplo televisivo para reforçar seu argumento:
O comediante John Oliver, em seu programa “Last week tonight”, exibido na HBO, ilustrou bem como funciona a falsa equivalência ao mostrar como deveria ser um debate honesto entre defensores do aquecimento global e negacionsitas. Em vez de colocar um cientista de cada lado, o apresentador mostrou uma montagem com 97 cientistas climáticos de um lado e três negacionistas do outro, respeitando a proporção do consenso na comunidade científica. O mesmo poderia ser feito hoje para os proponentes da cloroquina no Brasil, frente a todas as sociedades médicas e científicas que emitiram notas técnicas explicando por que esse medicamento não serve para Covid-19.
O comediante da HBO não tinha mesmo obrigação de saber, mas a bióloga Pasternak, detentora de um doutorado em Microbiologia, não deveria passar ao largo de um princípio científico fundamental: a Ciência não é atividade de “consenso”, decidida “democraticamente” por pesos numéricos, como em uma assembleia de condomínio, mas por uma estrita correspondência entre hipóteses e evidências, submetida a revisões permanentes. Se uma dada hipótese não corresponde estritamente às evidências observadas, ou estas ou aquela precisam ser revisadas, como tem ocorrido sistematicamente ao longo da trajetória científica da humanidade.
Neste particular, é sempre oportuno recordar o ensinamento de Albert Einstein, em sua antológica resposta ao panfleto “100 autores contra Einstein”. Publicado em 1931, por instâncias do Partido Nazista, o panfleto foi assinado por cientistas “politicamente corretos” e burocratas acadêmicos que se dispuseram a investir contra a Teoria da Relatividade, alegadamente, por não se enquadrar nos cânones da “ciência ariana” (o “consenso” na Alemanha daquele momento). Na oportunidade, o sábio disse apenas: “Para que cem? Se eu estivesse errado, um só bastaria.”
Ademais, o mitológico número de 97% de cientistas que concordariam com as causas antropogênicas das mudanças climáticas não passa de um artifício do psicólogo cognitivo australiano John Cook. Em 2013, ele publicou um artigo na revista Environmental Research Letters (“Quantifying the consensus on anthropogenic global warming in the scientific literature”, Vol. 8, No. 2, 15/05/2013), no qual afirmou que, em uma análise de 4 mil artigos publicados entre 1991 e 2011, nada menos que 97,1% apoiavam o alegado “consenso”.
Ocorre que o procedimento de Cook foi idêntico ao do IPCC, simplesmente, concentrando a sua seleção de textos analisados entre os apoiadores da hipótese antropogênica. Por exemplo, tanto ele como o IPCC praticamente desconsideram artigos referentes à influência dos fatores cósmicos – radiação solar, raios cósmicos etc. – na dinâmica climática terrestre. E, ainda assim, não se encontra nos alentados volumes dos relatórios do órgão um único trabalho que apresente uma evidência concreta de que as oscilações climáticas ocorridas desde meados do século XIX sejam anômalas, em relação às registradas nos séculos e milênios anteriores, recuando até o último período glacial, encerrado há 11.600 anos. Enquanto tal anomalia não for apresentada, não há como sequer se começar a suspeitar de uma influência humana no clima global – simples assim.
Até mesmo a falaciosa proporção de cientistas que apóiam a hipótese antropogênica é desmentida por qualquer análise superficial da literatura climatológica. Para se constatar isto, basta uma consulta a um sítio especializado como o do Centro para o Estudo do Dióxido de Carbono e Mudanças Globais (www.co2science.org), dirigido pelo trio familiar de cientistas Sherwood B. Idso, Craig D. Idso e Keith E. Idso, renomados especialistas em Agronomia, Climatologia e Geografia. No sítio, encontram-se resumos comentados de literalmente centenas de artigos sobre os mais diversos aspectos das ciências do clima, escritos por pesquisadores de todo o mundo e publicados em revistas científicas de primeira linha e revisados por pares. Em comum, todos apresentam análises objetivas de tais fenômenos, não contaminadas pela influência ideológica do “consenso” artificial, e praticamente qualquer um deles apresenta evidências de difícil contestação pelo paradigma “aquecimentista”.
Quanto às “curas milagrosas” de que fala Pasternak, elas não existem; o que, sim, existem, são profissionais sérios que, em todo o mundo, têm se empenhado com o melhor das suas capacidades e dedicação a tratar pacientes acometidos pela Covid-19, para tentar impedir que a doença evolua para a fase inflamatória e evitar hospitalizações problemáticas e perigosas. E, sim, um conjunto de medicamentos pré-existentes – azitromicina, ivermectina, cloroquinha/hidroxicloroquina, corticoides, anticoagulantes, antiandrogênicos e outros – tem sido utilizado com sucesso no tratamento dos infectados, salvando milhões de vidas em todos os países.
O sítio c19early.com, atualizado quase diariamente, reúne os resultados de quase 800 estudos realizados em todos os continentes habitados, sobre a eficácia do tratamento da Covid-19 com várias técnicas e medicamentos. E não se podem acusar os seus coordenadores de “neocurandeirismo” ou promotores de “curas milagrosas”. Eles próprios advertem:
(…) Os tratamentos não substituem as vacinas e outras medidas. Todos os meios práticos, efetivos e seguros devem ser usados. A eliminação da Covid-19 é uma corrida contra a evolução viral. Nenhum tratamento, vacina ou intervenção é 100% disponível e efetivo para todas as variantes atuais e futuras [do coronavírus]. Negar a eficácia de qualquer método aumenta o risco de a Covid-19 se tornar endêmica, e aumenta a mortalidade, morbidade e os danos colaterais.
Para não esticar em demasia a argumentação, passemos os olhos em dois países que, em grande medida, conseguiram conter a pandemia já em meados de 2020, antes que as vacinas se tornassem disponíveis, a China e o Vietnã (apesar de ambos estarem às voltas com novos surtos causados pela chamada variante Delta do coronavírus). Com variações locais, a estratégia dos dois países se baseou em testagens maciças, identificação, isolamento e tratamento clínico dos casos positivos (inclusive, com recursos da medicina oriental tradicional), isolamento das pessoas com os quais tiveram contato, quarentenas seletivas (após o isolamento inicial de toda a província chinesa de Hubei, onde foram registrados os primeiros casos) e, sobretudo, o estabelecimento de elevados níveis de confiança entre autoridades responsáveis e respectivas populações – evidentemente, facilitadas pelas características políticas e culturais dos dois países.
Um relatório de outubro de 2020 da Organização Mundial de Saúde (OMS), entidade que não prima pelo favorecimento do tratamento precoce, comenta o caso vietnamita, análogo ao chinês:
O Vietnã implementou com sucesso e rapidamente atividades necessárias de prevenção, detecção e controle da Covid-19, sob a forte liderança do governo e uma efetiva coordenação e colaboração multissetorial. Têm havido aplicações persistentes e estritas de medidas-chave de resposta ao surto: detecção precoce – testagem e tratamento – identificação dos contatos – isolamento/quarentena, juntamente com comunicações de risco estratégicas. Isto ficou evidente durante a primeira fase da resposta ao surto e continua a ser demonstrado na resposta em curso à ressurgência de casos na comunidade (grifos nossos). (…)
Recorde-se que o Vietnã é um país bem menos provido de recursos que o Brasil, com 95 milhões de habitantes distribuídos em uma área semelhante à do Maranhão, ou seja, com uma densidade demográfica bem maior que a brasileira. Até o momento em que esta nota era escrita, o país registrava menos de 1.200 mortes pela Covid-19, marca que o Brasil tem atingido e ultrapassado diariamente.
Tanto no Vietnã como na China, a comunidade médica e científica está se empenhando em aplicar os melhores recursos da Medicina e da Ciência em geral, sem desperdiçar tempo, energias – e vidas humanas – em estéreis disputas ideológicas e pseudocientíficas.
Em suma, Dra. Pasternak, antes de pretender ditar cátedra sobre método e ética científicos, seria de todo conveniente refazer a sua lição de casa.
sobre “aquecimento global” (e seu uso geopolítico) recomendo conversarem com o Prof, Luiz Carlos Molion!!…