Por Lorenzo Carrasco e Geraldo Lino.
Ao final de uma semana turbulenta, na qual assistiu à saída de quatro secretários do Ministério da Economia, em meio a uma onda de rumores sobre a sua demissão e ao habitual “nervosismo” dos mercados financeiros, o ministro Paulo Guedes recebeu um voto de “confiança absoluta” do presidente Jair Bolsonaro, depois reforçado pela promessa presidencial de que ambos sairão juntos do governo.
A causa imediata das turbulências é a concessão do Auxílio Brasil, programa social que deverá substituir o Bolsa Família com um valor médio de R$ 400,00, para o qual será inevitável a superação do famigerado “teto de gastos”, o que representa um verdadeiro anátema para o credo pró-rentista que orienta a formulação das políticas públicas desde a década de 1990.
Não obstante, é visível que Guedes já não desfruta da aprovação de antes junto às estruturas de poder real do País, e que seus malabarismos retóricos não conseguem mais ocultar a inépcia administrativa e a incapacidade absoluta de formular uma estratégia abrangente para reanimar uma economia estagnada desde 2015.
Estagnada e com indicadores que sinalizam uma forte deterioração das condições de vida da maioria da população: altos níveis de desemprego, subemprego e desalento, inflação em alta, principalmente, de alimentos e combustíveis (ironicamente, enquanto a produção agropecuária e de petróleo bate recordes) e perspectiva de retração para 2022, com o Itaú Unibanco prevendo uma queda de 0,5% no PIB (Produto Interno Bruto).
Ou seja, um quadro de “estagflação”, ainda mais problemático diante de uma eleição determinante em um cenário de polarização radical e raivosa – algo como uma briga em um barco conduzido por um timoneiro inconsequente, em meio a uma forte tempestade.
A rigor, além do receio de Bolsonaro de agitar ainda mais o barco, com uma eventual demissão, a permanência de Guedes no cargo se deve, em grande medida, à perspectiva de cumprimento do seu principal compromisso ao assumir a pasta: liquidar o que resta do patrimônio do Estado, anunciado em Washington, durante a primeira viagem do então presidente eleito aos EUA – “estamos vendendo tudo”, disse, na ocasião. Na mira imediata, a liquidação do CEITEC (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), única fabricante de semicondutores do Hemisfério Sul, e a privatização dos Correios e das joias da coroa, Eletrobrás e Petrobras.
A petroleira, submetida desde o governo de Michel Temer a um esquartejamento que equivale a uma privatização branca, é a bola da vez. Se Guedes conseguir concretizar seu intento, sonho de consumo de dez entre dez predadores financeiros desde a década de 1990, os atuais muxoxos dos rentistas serão prontamente esquecidos e ele será entronizado com letras douradas no panteão dos adoradores do deus mercado, que veem no Brasil apenas um “balcão de negócios” continental.
Com um cinismo olímpico, Guedes acena com os recursos da venda do controle acionário da Petrobras para financiar o Auxílio Brasil. Pegando como gancho uma declaração de Bolsonaro sobre a privatização, que provocou uma alta de 6% nas ações da empresa, disparou: “Em mais duas ou três semanas, são R$ 15 bilhões criados. Isso não existia, não é tirar do povo. É uma riqueza que estava destruída, bastou o presidente dizer que ia estudar que o negócio saiu subindo. Não dá para dar R$ 30 bilhões para os mais frágeis (no Auxílio Brasil) (O Estado de S. Paulo, 25/10/2021)?”
E, com a desfaçatez característica, completou o insulto à inteligência alheia: “A Petrobras vai valer zero daqui a 30 anos. E o que nós fizemos? Deixamos o petróleo lá em baixo com um monopólio, uma placa de monopólio estatal em cima. O objetivo é tirar esse petróleo o mais rápido possível e transformar em educação, investimento, treinamento, tecnologia.”
A privatização da Petrobras, para a qual sua equipe de operadores do mercado já desenha o modelo, também permitirá a Guedes reduzir a insatisfação dos rentistas com a superação do “teto de gastos”.
Em essência, Guedes se comporta como um bucaneiro no comando de uma nau desarvorada e à deriva, que ruma para perigosos recifes em meio a uma violenta tempestade, preocupado apenas em salvar o butim prometido aos receptadores dos mercados financeiros. Estes esperam tranquilamente, na praia particular do seu “resort” instalado ao redor do Banco Central “independente”, enquanto a grande maioria dos brasileiros corre o risco de afundar com o navio.
O que temem é apenas algum motim a bordo, como advertiu o ex-presidente Michel Temer, em um seminário promovido pelo Global Council of Sustainability and Marketing e o Fórum das Américas, em São Paulo, ao afirmar que as massas populares “podem se rebelar” diante de carências não atendidas (Valor Econômico, 26/10/2021).