
Por João Mulato
É bem possível que, daqui algumas décadas, 2021 seja batizado como o “Ano do Entreguismo”, haja vista a quantidade de ativos altamente estratégicos para o Brasil que foram entregues para as finanças transnacionais nos últimos 12 meses. O mentor dessa verdadeira operação de Guerra Híbrida contra nosso país não poderia ser outro: o ex-sócio do BTG Pactual e atual Ministro da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, o “Posto Ipiranga” da Presidência da República.
Não seria absurdo dizer que o que temos testemunhado é algo tão dramático que faz parecer estarmos em um terceiro mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso. Afinal, foi o “Príncipe dos Sociólogos” o responsável por implantar o Consenso de Washington no Brasil, com as privatizações criminosas da Vale do Rio Doce e de todo o sistema de telecomunicações nacional.
Para tornar as coisas mais cômicas – se não fossem trágicas –, o entreguismo da atualidade praticamente não enfrenta resistência política alguma, uma vez que a oposição esquerdista se encontra mais preocupada com pautas como a instalação de “banheiros trans” em escolas do que com a dilapidação dos setores estratégicos do país. Motivo este que nos leva a crer que talvez não seja exatamente coincidência o fato de as finanças transnacionais bancarem militantes do PSOL, do Movimento Negro, de ONGs e de praticamente toda a esquerda ao mesmo tempo em que se beneficiam das privatizações capitaneadas por políticos neoliberais. É justamente essa dominação de espectro total a grande força do Globalismo: um movimento que vai de Paulo Guedes a Jean Wyllys sempre com o apoio decisivo de bilhões de dólares dos metacapitalistas.
A nós, integrantes de pequena, mas aguerrida mídia genuinamente nacionalista e independente brasileira, nos cabe seguir trabalhando para que os crimes praticados contra o Brasil jamais caiam no esquecimento. É por essa razão que resolvemos listar todos os ativos estratégicos que foram privatizados neste ano em um conluio envolvendo Governo e Congresso mediante o velho esquema do toma-lá-da-cá e de outras co$itas má$ que não costumam vir a público.
Comecemos, pois, esse triste exercício de memória da história recente brasileira.
1) Autonomia do Banco Central (fevereiro de 2021)

Entre todas as medidas entreguistas do ano, essa foi, muito provavelmente, a mais lesiva aos interesses nacionais. Isso porque a aprovação no Congresso do Projeto de Lei 19/2019 em fevereiro deste ano significou que um dos instrumentos mais importantes para o desenvolvimento econômico do país saiu do controle efetivo do Executivo. Agora, ele está ainda mais sob o raio de influência dos grandes bancos e dos fundos financeiros transnacionais.
Com a aprovação da autonomia do Banco Central, tanto seu presidente quanto seus oito diretores passaram a ter um mandato de estabilidade de quatro anos, não coincidentes com o do presidente da República, e durante o qual não podem ser removidos de seus cargos.
Assim, caso um dia o povo brasileiro eleja um presidente determinado a fazer do Brasil uma Potência, buscando revitalizar o parque industrial nacional, fortalecer as Forças Armadas e combater o rentismo financista, só lhe restará torcer ou, no pior dos casos, implorar ao Banco Central para que adote políticas monetárias alinhadas ao seu projeto.
Isso se dá porque mesmo que um presidente tenha, eventualmente, a possibilidade de indicar alguém de sua confiança para comandar a instituição, sempre haverá a possibilidade desse alguém traí-lo e se vender para as finanças transnacionais, não podendo, na sequência, ser removido do cargo em razão da “autonomia” recém-aprovada.
E, como todos sabemos, não estamos falando de qualquer instituição. O Banco Central tem como prerrogativas a emissão da moeda nacional, a definição das regras do mercado financeiro e a determinação da famosa Taxa Selic. Esta, por sua vez, é quem serve de parâmetro para a taxa dos juros pagos pelos títulos da dívida pública, que, como bem sabemos, causa impactos diretos em praticamente toda a economia nacional, como no preço do dólar, no volume de crédito, no índice de inflação, no nível de investimentos, no valor dos salários, entre vários outros – além de, evidentemente, ser um mecanismo central (e muitas vezes ilegítimo) de transferência de dinheiro público para as contas de credores, que quase sempre são metacapitalistas.
Para termos uma ideia da importância monumental da Taxa Selic, tomemos ciência de que um singelo aumento de 1% em seu valor nominal gera um acréscimo inicial imediato de R$25 bilhões anuais de dinheiro público a serem destinados aos credores da dívida pública, como nos informa a Auditoria Cidadã da Dívida Pública.
Não à toa, a autonomia do Banco Central, uma reivindicação histórica do financismo, foi celebrada pelo acionista majoritário do BTG Pactual, André Esteves, em áudio vazado de uma reunião que realizou com outros financistas, todos os quais, credores de gordas fatias da dívida pública brasileira.
2) Privatização da Refinaria Landulpho Alves (março de 2021)

No dia 24 de março, o Conselho de Administração da Petrobras autorizou a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM) para a Mubadala Capital, um fundo de investimentos estatal dos Emirados Árabes Unidos. O negócio só foi possível porque em 2019, no primeiro ano do atual Governo, o $TF proferiu decisão liberando a venda de subsidiárias de empresas estatais sem a necessidade de autorização do Congresso, em clara violação da Constituição Federal.
Primeira refinaria de petróleo do Brasil, criada em 1950, durante o ciclo nacional desenvolvimentista do país, a RLAM foi repassada aos árabes por um valor oficial de R$1,65 bilhão, o qual, vejamos só, corresponde a 35% do real valor da refinaria segundo um estudo do insuspeitíssimo BTG Pactual.
Apesar do crescente lobby das ONGs ambientalistas fiadoras do projeto do Grande Reset, o complexo industrial de óleo e gás segue sendo vital para o desenvolvimento de um país, sendo o processo de refino de petróleo um de seus pilares centrais. Dessa forma, o repasse da RLAM aos árabes significou alienar um setor vital da nossa economia não apenas para financistas transnacionais ávidos por sugar nossas riquezas, mas literalmente para um Estado estrangeiro localizado em outro hemisfério do planeta.
Na prática, a entrega da RLAM cria vulnerabilidades sérias ao Brasil na medida em que a refinaria poderá, ao seu bel-prazer, estipular o preço da gasolina que refina, determinar seu volume disponível para compra e mesmo comercializá-lo com outros países em detrimento do Brasil.
Como desgraça pouca é bobagem, uma dessas hipóteses fatalistas acabou acontecendo menos de um ano depois da privatização: em 15 de dezembro, os árabes anunciaram que não baixariam o preço da venda da gasolina mesmo com uma redução comunicada pela Petrobras, algo que noticiamos neste Jornal Puro Sangue. Ou seja, um dos fatores que tem contribuído para devastar a economia nacional e a vida de milhões de famílias brasileiras está agora sob a influência de um grupo de árabes sem nenhum comprometimento real com o Brasil.
3) Privatização da Eletrobras (junho de 2021)

No dia 23 de fevereiro, o Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, foi até as dependências do Congresso Nacional para fazer a entrega simbólica da MP (Medida Provisória) 1031/21, que autorizava a privatização integral da Eletrobras. Em junho, ela foi aprovada pelos parlamentares.
Maior empresa de energia elétrica da América Latina, a Eletrobras gerencia 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas, 2 nucleares e mais de 60 eólicas. Em 2020, a empresa foi responsável por gerar 30% de toda a energia no Brasil, chegando a 40% no período mais crítico da pandemia.
Entre 2018 e 2020, auferiu nada mais, nada menos que R$30 bilhões de lucro.
Pouco sabem, mas, na verdade, a Eletrobras já é “semiprivatizada”, com o Governo Federal possuindo 70% das ações da companhia e o restante estando com acionistas privados. De acordo com a nova lei, a privatização do controle da empresa para as finanças transnacionais vai se dar pela venda de novas ações ordinárias na Bolsa de Valores.
Desnecessário dizer, porém, que o setor da energia é de altíssimo valor estratégico para um país, seja na economia, em que preço da tarifa e quantidade de energia disponível têm influência considerável, seja para a segurança nacional, já que uma falha no sistema elétrico pode paralisar todas as atividades na cidade e no campo.
Assim, sujeitar o controle de nossa maior empresa de energia elétrica a financistas conectados a Estados estrangeiros é alienar nossa soberania em um nível inacreditável. Caso haja alguma dúvida, basta pesquisar quem comanda o sistema elétrico de países em ascensão na geopolítica global como Rússia e China.
4) Privatização dos Correios (agosto de 2021)

Com origens que remontam a 1693, quando da criação do Correio-Mor no Rio de Janeiro, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, popularmente conhecida como Correios, teve sua privatização autorizada na Câmara em 5 de agosto, com a aprovação do PL 591/21, de autoria do Governo Federal. No momento, o PL aguarda votação no Senado – ou seja, há ainda esperanças de que a privatização seja barrada.
Os Correios realizam o serviço de entrega de cartas e encomendas por meio de suas cerca de 12 mil agências espalhadas pelos 5.570 municípios do país, sempre a preços acessíveis.
Simplesmente não há argumentos minimamente razoáveis para justificar a privatização da empresa uma vez desconsiderados os dogmas da ideologia liberal. Sua lucratividade é altíssima: de 1999 a 2019, os Correios registraram R$15,8 bilhões de lucro acumulado, mesmo com o sucateamento intencional praticado por gestões neoliberais no período.
Vale ainda dizer que, durante todo esse tempo, a empresa repassou ao menos 25% de seus lucros para o Tesouro Nacional a fim de que fossem reinvestidos em políticas nacionais, seguindo o que determina seu estatuto social.
Além do mais, não existe nada nem ninguém que sirva de obstáculo às empresas privadas que estão no Brasil de atuarem no setor de encomendas. Não obstante, essas empresas costumam operar apenas nos grandes centros urbanos, porque assim o desejam, enquanto os Correios atuam em todos os municípios do país, do Oiapoque ao Chuí.
É graças a essa verdadeira missão patriótica da empresa pública que praticamente todos os 215 milhões de brasileiros podem não só receber encomendas, como também materiais didáticos, vacinas, remédios, e toda uma infinidade de itens essenciais.
Outro fato de suma importância é que cerca de um quarto dos municípios brasileiros só possui o banco postal para operar pagamentos, o qual é gerido por quem? Correios.
Tudo isso estará sob risco caso a privatização se concretize. Se ela realmente ocorrer, os preços poderão aumentar exponencialmente e serviços poderão deixar de ser realizados – tudo estará sujeito aos cálculos de lucratividade dos financistas que se apropriarem da empresa.
Não é por acaso que até mesmo nos Estados Unidos, que é governado plenamente pelo financismo, o serviço postal segue de caráter público, uma vez que se trata de um setor de alto valor estratégico para o funcionamento de qualquer país minimamente sério.
5) “Privatização branca” da Petrobras (2021)

A Petrobras ainda não foi formalmente privatizada, como gostaria o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto de Almeida, mas na prática ela já está arrendada para as finanças transnacionais desde o Governo Temer. Em 2021, essa “privatização branca” da empresa parece ter definitivamente fincado raízes.
Primeiramente, devemos lembrar que a Petrobras já é, assim como a Eletrobras, uma empresa “semiprivatizada”. Entre as ações ordinárias – que são aquelas que dão direito a voto na Assembleia Geral –, o Estado brasileiro possui 50,5%, fato que lhe garante o controle político da empresa. No entanto, entre as ações preferenciais, que não dão direito a voto, mas oferecem preferência na distribuição dos lucros, o governo brasileiro possui apenas 18,48%, enquanto quase a metade (44,8%) está nas mãos de financistas estrangeiros (entre os quais, aliás, a BlackRock).
Foi pela pressão dos financistas que a Petrobras abandonou a política dos preços administrados e desde outubro de 2016, com a chegada de Pedro Parente ao seu comando, passou a adotar a política do Preço de Paridade de Importação (PPI). A política consiste na venda do combustível com os preços praticados no mercado internacional, independentemente da situação econômica dos brasileiros.
Após a adoção do PPI no Governo Temer, o preço da gasolina passou a ter aumentos escatológicos, gerando grande insatisfação popular e culminando na fatídica greve dos caminhoneiros que parou o Brasil em maio de 2018. Pedro Parente acabou pedindo demissão, mas a política do PPI seguiu intocada.
Mesmo sendo os caminhoneiros uma de suas bases políticas, o presidente Jair Messias Bolsonaro nunca teve a intenção de reverter a escalada de aumentos na gasolina. Alguns até acharam que ele o faria quando no início do ano, depois do preço da gasolina ter sido reajustado quatro vezes em menos de 60 dias, resolveu sacar da presidência da empresa Roberto Castello Branco para colocar em seu lugar o general Joaquim Silva e Luna.
No entanto, o novo presidente da Petrobras – que recebe um salário de 260 mil reais mensais – nunca chegou perto de mexer na política do PPI. Sem a ameaça de greve dos caminhoneiros, que, apesar de serem prejudicados com o PPI, ainda lhe são fiéis, Bolsonaro acabou endossando a posição de Silva e Luna.
Com isso, o resultado não poderia ser outro: 2021 registrou um total de 11 aumentos no preço da gasolina, o que representou um aumento real de 74% no preço do combustível vendido nas refinarias. Foi graças a esses aumentos que pudemos ver alguns postos pelo Brasil cobrando R$7 o litro da gasolina.
Apesar de penalizar a população brasileira, a política do PPI proporcionou lucros históricos aos financistas donos das ações da Petrobras. Em agosto, a empresa antecipou a distribuição de dividendos, repassando um total de R$31 bilhões aos seus acionistas, o maior montante já pago nessa rubrica em toda sua história. Para termos uma melhor ideia do nível da pilhagem que está sendo praticada às custas do bolso das famílias brasileiras, o desempenho financeiro obtido pela Petrobras no segundo trimestre de 2021 é, no mínimo, três vezes superior à média do desempenho obtido pelas maiores petroleiras internacionais.
Isso, cabe lembrar, em um ano em que a taxa de desemprego no Brasil segue em patamares elevadíssimos (12%), a informalidade é crescente, o desalento continua alto, a renda é a menor desde 2012 e a inflação ultrapassa 10%.
Como se vê, a privatização branca da Petrobras fez com que a empresa deixasse de ser um instrumento de política energética e de desenvolvimento do Brasil para se tornar uma máquina de lucros gigantesca para as finanças transnacionais. Por ora, não há sinais de que esse cenário possa ser revertido.
Bom dia, ótimo artigo, um dos melhores jornais do Brasil. Sempre temas pertinentes e escritores de qualidade elevada.