
Por Movimento de Solidariedade Iberoamericana.
Em meados da década de 2000, no auge do esforço para consolidar a hegemonia unilateral euroatlântica, os estrategistas anglo-americanos criaram na Espanha um encave político-financeiro, capturando as elites políticas neoliberais “a la diestra y a la siniestra”, visando a uma extensão
para a Ibero-América do seu sistema bancário e de suas empresas energéticas e de telecomunicações. Durante o governo do presidente José María Aznar (1996-2004), essa “terceirização” recebeu o rótulo de “novo atlanticismo”, eufemismo para a extensão dos tentáculos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) à Ibero-América.
O “novo atlanticismo” não se restringia aos aspectos estratégicos e militares, mas também à promoção de um “sistema de vida aberto e liberal baseado na economia de mercado”, como definido em um estudo da Fundação para a Análise Estudos Sociais (FAES), think-tank ligado a Aznar.
Um país-chave para o empenho era a Colômbia, com a qual os EUA já tinham uma ativa e longa interação militar, baseado no apoio à guerra contra a narcoguerrilha. Em 2018, a agenda avançou com a adesão de Bogotá à OTAN como sócio global, o primeiro e até agora único país ibero-americano em tal condição, tendo o Brasil recusado a oferta de tornar-se “parceiro extrarregional” da entidade. No México, a aliança preferencial se deu com o Partido Ação Nacional (PAN), que governou o país entre 2000 e 2012 com os presidentes Vicente Fox e Felipe Calderón.
Hoje, diante da inocultável derrocada da sua agenda hegemônica global, com a célere consolidação do eixo eurasiático encabeçado pela China e a Rússia como o novo centro de gravidade geoestratégico-geoeconômico mundial, Washington retoma um ativo interesse na América do Sul. Sem surpresa, o foco maior é nos recursos naturais do subcontinente, como admitiu candidamente a chefe do Comando Sul dos EUA, general Laura Richardson, em uma palestra no Fórum de Segurança de Aspen, em julho último, onde também lamentou a recusa brasileira ao “privilégio” de subordinar-se à OTAN.
Ao contrário da versão anterior, baseada em forças identificadas com a direita, a versão atual do “novo atlanticismo” investe na esquerda, utilizando-se de organizações, instituições e governos como os do Chile e da Colômbia, representantes de uma “nova esquerda identitária” orientada por
agendas ambientais, indigenistas, ideologia de gênero, feminismo radical, aborto e outras causas que formam o arcabouço de uma autêntica política de “cancelamento” das raízes históricas e espirituais do continente.
E novamente a Espanha empunha as bandeiras do “novo atlanticismo”, com o entusiasmado apoio do governo do presidente Pedro Sánchez e seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), entusiasmado apoiador dos novos governos chileno e colombiano.
Sem surpresa, em visita a Bogotá, a chefe do Comando Sul recebeu do recém-empossado presidente Gustavo Petro uma insidiosa proposta para a criação de uma força militar conjunta para a “proteção” da Floresta Amazônica.
Em essência, o “novo atlanticismo” denota que as divisões ideológicas deixaram de fazer sentido há tempos, no que tange à identificação dos interesses maiores dos Estados nacionais, contra os quais se insurgem ameaças à destra e à sinistra.
Imagem: Southcom.