
Lula foi recebido com toda pompa no encontro com Xi Jinping em Pequim, no último dia 14, depois de encontros com as autoridades máximas da China no dia anterior. No cerimonial teve até “Novo Tempo”, de Ivan Lins, sendo executada pela banda de música oficial.
Há quem diga que a escolha do repertório teria sido uma alfinetada dos chineses em Bolsonaro (“Um novo tempo, apesar dos castigos”, diz a letra). De fato, trata-se de uma música lançada em disco homônimo de 1980, denunciando o Regime Militar e saudando a Abertura Política. Canção que poderia ter sido executada na posse do próprio Lula em janeiro, caso caísse no gosto de sua esposa Janja da Silva, que comandou o cerimonial da posse. No Twitter, Ivan Lins saudou a lembrança e a homenagem feita pela China.

Com certeza foi uma forma de lisonja, mas a atitude chinesa demonstra o alto grau de sofisticação de sua diplomacia, com poder de cativar os chefes de Estado estrangeiros e influenciar ao menos suas declarações. Foi o que aconteceu com Emanuel Macron algum tempo antes, que saiu de Pequim dizendo que não cabia mais à Europa seguir sempre os EUA, no sentido de trilhar um caminho próprio. Ainda que tal declaração não tenha um conteúdo crucial em termos práticos, conforme argumenta o analista russo Timofey Bordachev.
No caso brasileiro, após a visita à China, Lula recalibrou o discurso em relação ao conflito na Ucrânia. Se antes o chanceler admitia que Putin poderia ser preso por denúncias do Tribunal Penal Internacional, caso pisasse no Brasil, Lula tinha uma posição mais comedida em relação à guerra e nesta semana declarou que ambos os lados tem responsabilidade no conflito e que os EUA não podem armar um dos lados (a Ucrânia). Para desespero dos grandes jornais e dos analistas vedetes sobre assuntos internacionais que pululam nesses meios.
Não há como avaliar o escopo e a profundidade das conversas realizadas na reunião diplomática, mas alguns resultados já podem ser observados: além da mudança de discurso do presidente Lula, este também voltou atrás da decisão de taxar as importações chinesas de pequeno vulto, feita por empresas como a Schein, que foram consideradas pelas autoridades brasileiras, incluindo o ministro Haddad, como uma forma de burlar os impostos de importação. A respeito da promessas de investimento, é muito cedo para dizer, e ainda há razões para o ceticismo.
Pode se dizer que o sistema chinês, que contém um mescla, ou – para ficar numa linguagem quase marxista – uma síntese entre capitalismo e socialismo, reunindo elementos de ambos os sistemas de organização econômica, chegou a um grau de profissionalismo da política que não se encontra nos países ocidentais. Seu regime de partido único garante uma meritocracia na carreira política, de modo que as lideranças que chegam a compor a instância máxima de poder na China, o colegiado do Politburo, o fazem com uma ampla bagagem e preparo não visto entre os líderes ocidentais, que mais se esforçam para mobilizar o eleitorado do que, muitas vezes, ter estofo para lidar com assuntos de Estado.
Outro fator, assinalado até pelos analistas adeptos do liberalismo, é que a diplomacia chinesa se move por parcerias de investimentos em termos favoráveis para ambos os lados, na lógica do ganha-ganha, ao contrário da diplomacia dos países ocidentais. Vejam o caso argentino: a China propõe o financiamento e ajuda técnica para a construção de usinas nucleares, assim como oferece caças para a sucateada força aérea do país vizinho, enquanto que os EUA enviam sua general Laura Richardson, chefe do Comando Sul das FFAA, para advertir os argentinos do “perigo da dependência chinesa”, sem ao menos fazer uma contraproposta. Trata-se da mesma general que ficou famosa por um vídeo que circulou nos grupos de whatsapp e Telegram exortando os EUA a defender as reservas minerais e recursos naturais dos países do continente. Como se já tivessem um dono natural que não eles próprios.
Voltando ao caso brasileiro, parece que Lula não tem ainda uma estratégia definida nem de governo nem de posição do Brasil nas relações internacionais. É movido por pressão de forças externas; pressões do lobby ambiental dos países da OTAN que o fazem defender uma agenda ambientalista radical do “desmatamento zero” na Amazônia até 2030, como se tal meta fosse exequível. Os laços do lobby ambiental e do lobby identitário LGBT – pauta da sua declaração conjunta com Biden, mas que passou longe na conversa com Xi Jinping – dentro da própria coalizão do governo, quando não dentro do PT, contribuem para aquilo chamamos anteriormente de “Atlanticismo de Esquerda”, que, apesar do apoio entusiasmado da mídia local, tem lá seus limites, pelo fato da diplomacia estadunidense ter mais discurso do que substância, mais lição de moral do que apoio material a seus parceiros.
Outro fator que atrapalha esse alinhamento a esse atlanticismo é a pujança econômica da China e a realidade do cenário militar na Ucrânia, tendo em vista que muito dificilmente a Rússia fará o que a OTAN deseja, que é desocupar o Donbass e devolver a Ucrânia os territórios já incorporados à Federação Russa. Quem sabe Xi Jinping tenha mostrado pessoalmente a Lula o real estado da guerra por lá, fora das narrativas fantasiosas que grassam na grande mídia?
Infelizmente, o governo parece ser conduzido pela força aleatória do vento, enquanto as potências estrangeiras jogam o jogo. Cabe ao Brasil buscar o seu lugar ao sol.
É o impacto de uma civilização evoluída e surpreendente.