Em 1889 a queda do Império é provocada por um golpe militar. A unidade da Pátria brasileira já estava consolidada, tanto que os governos republicanos não mais enfrentaram revoltas separatistas, tão constantes no século XIX. O País foi entregue ao domínio das oligarquias partidárias estaduais, que exerciam o poder segundo os cânones da ortodoxia liberal, naquela que se convencionou chamar de República Velha.
Quem vai fazer a crítica do liberalismo da República Velha, a partir de uma perspectiva conservadora, é Alberto Torres, fluminense de Itaboraí, principalmente em seus livros “O Problema Nacional Brasileiro”, em que refuta as ideologias racistas em voga na época, e “A Organização Nacional”.
No começo do século XX, o Brasil havia importado as instituições mais avançadas da Europa e da América do Norte: a república, a federação, o livre mercado, a separação de poderes, o sufrágio universal masculino, os direitos e garantias individuais. Não obstante, não compartilhava o progresso econômico e social daqueles países.
Nesse contexto, os intelectuais justificavam o atraso nacional como uma questão de fatalismo biológico: o Brasil era uma país atrasado por causa de sua composição racial. Alberto Torres vai então levantar-se contra essas teses pseudocientíficas, que na verdade constituíam uma ideologia que servia aos interesses de dominação de potências estrangeiras.
Torres, partindo do princípio de que «a ciência deitou abaixo a tese da desigualdade das raças», mostra que a culpa pelo atraso nacional não estava na composição étnica do nosso povo, mas na alienação das nossas elites, sempre a buscar lá fora fórmulas para a nossa organização social e política, sem nenhum senso de realidade nacional, no que retoma um tema do Visconde de Uruguai: o contraste entre o “país real” e o “país oficial”.
Nas palavras de Alberto Torres:
“Vivemos descuidosamente, no meio de uma civilização de empréstimo, sem economia, sem opinião, sem consciência de nossos interesses práticos, sem juízo próprio sobre as coisas mais simples da vida social. (…) A separação entre a política e a vida social atingiu, na nossa Pátria, o máximo de distância. (…) A política é, entre nós, de alto a baixo, um mecanismo alheio à realidade, perturbador da sua ordem, contrário ao seu progresso. Governos, partidos e políticos sucedem-se e alternam-se, levantando e combatendo desordens, criando e destruindo coisas inúteis.”
Diz Torres que as instituições do Brasil são «roupagens de empréstimo»: «As coisas que ocorrem nos teatros e nos hospícios de alienados são fatos, porém não são realidades. A nossa vida política é um cenário de fatos alheios à realidade social». Assim, Torres conclamava os intelectuais do Brasil a abandonar o pensamento emprestado do estrangeiro e a se lançar a compreender a realidade nacional com critérios próprios, a fim de elaborar soluções específicas para os problemas brasileiros.
Em sua obra, Torres refutava tanto o socialismo quanto o individualismo liberal, como incompatíveis com a realidade brasileira e fatores de desintegração nacional. Era preciso, em seu entender, conhecer objetivamente a realidade social brasileira para, a partir disso, propor as soluções para os problemas encontrados e as reformas necessárias, a serem conduzidas por um Estado forte. O País reclamava uma nova organização nacional, moldada nas especificidades do povo brasileiro. Uma boa constituição não pode ser o produto de um ato abstrato de vontade; os países têm sua constituição real, resultante de sua ordem histórica e da ordem natural, que se fazia necessário descobrir:
“Na verdade, todos os países possuem um regime constitucional verdadeiro, mas subterrâneo. Está aí o terrível problema da arte política: conciliar a realidade com a abstração ou, pelo menos, aproximar a verdade das coisas do nível ideal da lei. Um regime puro seria aquele em que os dois planos se confundissem; assim, o regime constitucional progride quando o plano inferior se aproxima da concepção legal. A regra geral é que a marcha das nações se opera através ou apesar das instituições nominais, de acordo com as correntes profundas que as impulsionam ou dirigem.”
Torres propunha um autêntico nacionalismo, sendo um dos primeiros autores a criticar a superficialidade do ufanismo e do patriotismo litúrgico, que se limita ao culto dos símbolos nacionais, como se fosse suficiente, sem encarar a crueza dos graves problemas da realidade brasileira. Na sua esperança, o Brasil, depois de abandonar falsas instituições, de país caótico e desorganizado tornar-se-ia «um país destinado a ser o esboço da humanidade futura».
Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, Alberto Torres foi o primeiro autor brasileiro a preconizar a introdução de um órgão de representação corporativa dos interesses sociais e a constitucionalização dos direitos dos trabalhadores.
Seu gênio jurídico concebeu o instituto do mandado de segurança, consolidando a doutrina brasileira do habeas-corpus, que viria a ser incorporado à Constituição de 1934.
Seu nacionalismo o levou a pedir a substituição do nome oficial do País de “Estados Unidos do Brasil” para “República Federativa do Brasil”, o que ocorreu apenas na Constituição de 1967, promulgada na esteira do movimento de 1964.
Faleceu em 1917, com apenas 51 anos, mas a força do seu pensamento a ele sobreviveu e influiu no desenvolvimento posterior do País.
Brilhante