
Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva, left, and French President Emmanuel Macron arrive on Combu Island, near Belem, Para state, Brazil, Tuesday, March 26, 2024. (AP Photo/Eraldo Peres).
Emmanuel Macron é o presidente da França desde 2017, já em seu segundo mandato. Na Europa, busca se afirmar como o principal líder do continente, nem que seja dobrando a aposta em relação à Rússia, ao anunciar a possibilidade do envio de tropas à Ucrânia. O que, na prática, pode significar mais um passo na conflagração de um confronto direto ente a OTAN e a Rússia.
No front interno, enfrenta oposição de diversos setores, incluindo dos produtores rurais, que fizeram a União Europeia recuar dos seus acordos de “descarbonização” e “mudanças climáticas”, que impunham áreas de reserva legal, diminuição de rebanhos e do uso de combustíveis fósseis no maquinário agrícola. Sendo que a proposta de reserva legal em questão era bastante inferior ao que já determina a lei brasileira (80% das terras na região amazônica e 20% nas demais áreas do país).
Como todo político francês, sabe que não pode enfrentar o lobby do setor rural de seu país, o mais forte da Europa. Muito em função dele, foi a principal voz na UE para a rejeição do acordo comercial com o Mercosul, assinado em 2019, depois de duas décadas de negociação. Hoje, Macron diz que o acordo está obsoleto, sendo necessárias mais inclusões de cláusulas ambientais e de “descarbonização” para entrar em vigor. Mas, pelo visto, essas cláusulas valeriam para nós brasileiros e seriam, digamos, “suavizadas” se aplicadas na Europa.
Ao contrário de outros países europeus, como a Alemanha, a França não vai dispor de seu complexo de usinas nucleares para geração de energia, sendo menos dependente de outros vizinhos europeus do gás proveniente da Rússia.
Eis então que o presidente francês inicia sua viagem pelo Brasil pela Amazônia, onde foi recebido pelo presidente Lula. O encontro entre os dois gerou uma série de fotos controversas, que fizeram a alegria dos criadores de memes na internet, e promessa de investimentos franceses na Amazônia, realizados de acordo com os princípios ESG de “sustentabilidade”. Também prometeu a criação de um “instituto de pesquisa” na região, talvez ignorando que o Brasil já tem o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, criado em 1952, durante o segundo governo Vargas, com a intenção de promover conhecimento científico sobre a Amazônia. Mas como todo órgão ou entidade de pesquisa do setor público, sofre com as políticas de contingenciamento orçamentário que reduzem as verbas que poderiam ser usadas em pesquisa.
Ainda na Amazônia, Macron aproveitou a ocasião para conceder uma medalha de honra da República Francesa ao cacique Raoni, por sua defesa da “preservação das florestas e dos povos indígenas”. O mesmo cacique aproveitou a ocasião para, ao lado do presidente francês, cobrar Lula por mais demarcações de terras indígenas e contra o projeto da Ferrogrão – que no momento está paralisado por ordem do STF, após o ministro Alexandre de Moraes acolher ação do PSOL contra a construção da ferrovia por margear terras indígenas.

A Ferrogrão ligaria Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA) e ajudaria a escoar a produção agrícola do Centro Oeste pelas hidrovias da Bacia do Amazonas. Hoje a região CO é que mais cresce no país, a partir de sua fronteira agrícola, com potencial para alavancar também a produção industrial, mas o grande problema que os produtores enfrentam é logístico, devido a uma infraestrutura de transportes insuficiente para a produção. A construção de modernas linhas de transporte poderia aumentar a produção agrícola brasileira, a preços mais competitivos, sem custos tão altos de logística – o que talvez não seja de interesse de países europeus, sobretudo a França.

Como vimos nas fotos a estadia de Macron na Amazônia dá a impressão de um safari na selva, o que, por hábito secular, eles se acostumaram a fazer na África. No final do século XIX, a França teve o maior império colonial nesse continente. Após a 2ª Guerra, renunciou ao controle direto de suas colônias, mas continuou o controle indireto por meio da Françafrique, acordo pelo qual mantém controle sobre a emissão de moeda local das ex-colônias e do preço de suas principais matérias primas a preços bastante acessíveis para a metrópole.
Por meio desse mecanismo, puderam até, bem recentemente, conseguir suprimento a preços baixos do urânio exportados por países do Sahel, como o Níger, principalmente, para suprir suas usinas nucleares. Contudo, uma onda golpes militares na região têm derrubado os governos corruptos alinhados à França, renegociando os termos da exportação de matérias primas sensíveis como o urânio, provocando uma alta significativa nos preços.
Assim, aproveitando que estão sendo expulsos da África, Macron quer salvar mais um revés na sua política internacional com o urânio brasileiro, tendo em vista que o Brasil faz parte do clube dos maiores produtores, mesmo com só duas usinas nucleares em funcionamento.
Da mesma forma, o presidente francês propõe um acordo entre institutos franceses e a Embrapa no setor de biotecnologia, mas cabe perguntar em que termos tal acordo seria vantajoso, quando a Embrapa poderia muito mais ensinar do que aprender com os franceses, sobretudo no que tange a agricultura tropical. Talvez queira a França voltar à África como expert nesse setor?
Em Itaguaí (RJ), Macron participou do lançamento do submarino Tonelero, que foi construído com base no acordo militar ProSub de 2008, assinado entre os governos Lula e Sarkozy, que envolveram transferência de tecnologia, e assinou os protocolos para a fabricação de um submarino com propulsão nuclear no bojo dos acordos. Ainda que seja algo positivo, no sentido de fortalecer a Marinha do Brasil, cabe lembrar que o projeto do submarino nuclear brasileiro data do final da década de 1970, assim que o país passou a desenvolver por conta própria sua tecnologia militar. Se até hoje o Brasil não dispõe de submarinos nucleares, a razão principal é a pressão externa (incluindo o rol de países detentores de armas nucleares, da qual a França faz parte) e não a falta de recursos internos, tanto de materiais como de pessoal.
No fundo, tal acordo serve, para o Brasil, como uma promessa de salvo-conduto para ganhar legitimidade para a construção de submarino nuclear. Mas o acordo pode ser muito bem ser suspenso se a França assim achar conveniente, dependendo das circunstâncias, podendo alegar razões de descumprimento de metas de desmatamento e de proteção aos povos indígenas.
Também para os franceses, o acordo com o Brasil serve como uma compensação pelo rompimento de um tratado semelhante pela Austrália, que abandonou a França em prol dos estadunidenses e britânicos.
Finalmente, Lula aproveitou a ocasião da visita de Macron para, ao lado deste, subir o tom contra a Venezuela, pela negativa da Justiça eleitoral deste país não aceitar o registro da candidatura de Corina Yoris à presidência do país, a ser disputada ainda neste ano. Tal manifestação de Lula foi festejada pela grande mídia, que queria que Lula fosse ainda mais duro contra Nicolas Maduro. Tal postura de Lula mostra que, ao contrário do que defendem muitos de seus apoiadores, não está desalinhado com os países da OTAN, pois a manifestação contra o genocídio em Gaza, quando esteve na Etiópia, foi contemporizada pelo secretário de Estado Antony Blinken, que se encontrou com o presidente brasileiro logo após. Da mesma forma, a manifestação contra o governo venezuelano serviu para emoldurar o clima de amizade uníssona com o visitante francês.
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