Por Lorenzo Carrasco
Desde antes de tomar posse no “superministério” da Economia, Paulo Guedes tem demonstrado uma notável propensão para declarações polêmicas e um alheamento da realidade nacional dificilmente superável, como um esforço de convencimento de que as suas palavras poderiam, eventualmente, redesenhar o mundo real.
Recentemente, mesmo diante dos números inequívocos que apontam para uma paralisia econômica, tem teimado em afirmar que o País “está crescendo”, assim como, antes, se aferrava a uma ilusória “recuperação em V” da combalida economia nacional.
No início de dezembro, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) contrariou mais uma vez o diagnóstico poliânico de Guedes, ao anunciar uma queda de 0,1% no PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre, que, seguindo-se ao recuo de 0,4% no trimestre anterior, configura uma recessão técnica. Para complicar, a maioria dos especialistas do ramo está pessimista quanto a uma possível melhora no quarto trimestre, configurando um diagnóstico de estagnação econômica, que acentua os prognósticos negativos para 2022.
“O setor de bens – indústria e comércio – já estão em contração”, diz Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, acrescentando que o setor de serviços, ainda se recuperando do período de maior distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19, foi o que impediu um resultado pior. No entanto, afirma: “Esse quadro deve se manter no quarto trimestre. No ano que vem, com a alta de juros e queda do crédito, e sem esse impulso de reabertura sobre o setor de serviços, acreditamos que o PIB deverá ser levemente negativo (BBC Brasil, 02/11/2021).”
Recessão técnica, aliás, não passa de um eufemismo para disfarçar um quadro de “estagflação”, palavra que economistas e jornalistas da grande mídia têm evitado, para não chamar muito a atenção sobre a ineficácia do receituário ultra-rentista que vem sendo aplicado desde 2015, causando a virtual estagnação da economia no período. Quadro aprofundado pela inépcia e insensibilidade de Guedes e seus escudeiros do mercado financeiro, desprovidos de qualquer compromisso com a economia real, exceto como oportunidades para ganhos especulativos com a liquidação do restante do patrimônio do Estado.
Um sinal da seriedade da situação foi o fato de o ministro não ter sequer se dado ao trabalho de desqualificar o IBGE, como fez em julho último, acusando-o de usar métodos da “Idade da Pedra Lascada”, para contestar o elevado índice de desemprego (14,6%) divulgado na ocasião.
Apesar de um recuo para 12,6% no terceiro trimestre (mais de metade dos empregos criados no período foram informais), o desemprego ainda elevado se soma à alta da inflação, principalmente, dos alimentos e combustíveis, e ao endividamento de quase 75% das famílias, para criar um quadro sombrio para a grande maioria dos brasileiros neste final de ano, sem perspectivas de melhora a curto prazo.
Sem falar do espectro da fome que volta a assombrar – ironicamente, em meio à perspectiva da maior safra de alimentos da história nacional -, com cenas que pareciam esquecidas, como a fila por ossos em um açougue de Cuiabá (MT), os grupos disputando restos de cortes de carne descartados por supermercados do Rio de Janeiro (RJ) e outras não menos vergonhosas. Desde 2018, o número de brasileiros passando fome aumentou 85%, passando de 10,3 milhões para 19,1 milhões em 2020, levando a Oxfam a classificar o Brasil como um dos focos emergentes de fome no mundo, juntamente com a África do Sul e a Índia.
Diante desse quadro tenebroso, o Banco Central deve continuar insistindo na única “terapia” que os seus controladores rentistas conhecem, a alta dos juros básicos, com o mercado financeiro esperando que a taxa Selic seja elevada a 9,25% na reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) e a 11,75% no início de 2022. O resultado mais que esperado será um agravante para as atividades econômicas e a situação da esmagadora maioria da população que não tem acesso aos serviços de “private banking” oferecidos pelo sistema financeiro.
A propósito, também como esperado, os ganhos bancários vão muito bem, obrigado. No terceiro trimestre, enquanto as atividades produtivas se retraíam, os quatro maiores bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Brasil e Santander) amealhavam lucros de R$ 21,3 bilhões. Apesar de 8% inferiores aos resultados do trimestre anterior, os números representaram uma alta de 36,7% em relação ao mesmo período de 2020.
Talvez, seja pensando nos lucros financeiros, seu segmento de origem, que Paulo Guedes persista em bradar publicamente os seus delírios sobre a economia “bombando” ou o Brasil “surpreendendo o mundo”. De fato, no paraíso rentista em que o País foi convertido, não há pandemia ou tempo ruim que afete os lucros e perspectivas do segmento financeiro. Lástima que a economia real e a maioria da sociedade não habitem este privilegiado universo paralelo.
Fonte: Sítio do Movimento de Solidariedade Ibero-americana