Por Felipe Quintas
Não faz sentido reviver as disputas e polarizações de 1964, pois a história já as resolveu e nenhum dos lados em confronto na ocasião existem mais e nem deixaram herdeiros. Tudo mudou tão profundamente que é impossível traçar paralelos com a política atual. Afinal, Delfim Netto, o czar da economia do Costa e Silva, do Médici e do Figueiredo, já de algum tempo apoia e aconselha Lula, principal nome da atual esquerda, Paulo Guedes, o czar da economia de Bolsonaro, principal nome da atual direita, ataca reiteradamente os governos militares, com a concordância de grande parte do atual Alto Comando militar, Ciro Gomes, líder do partido criado por Brizola para suceder o antigo PTB, restabelece a marca e a essência dos PND do período militar, e os seguidores de Olavo de Carvalho, o maior nome intelectual da direita contemporânea, renegam violentamente os governos militares e chegam ao cúmulo de chamá-los de comunistas, demarcando claramente a sua diferença para aquela antiga direita.
O distanciamento histórico, se de um lado nos impossibilita de reviver as questões políticas das gerações anteriores e nos deixa livres para vivermos somente as atuais, de outro, convida a interpretarmos o passado com mais objetividade para compreendermos melhor o que ganhamos e do que abrimos mão e como chegamos ao ponto onde estamos, possibilitando assim uma visão mais larga e racional da realidade em que nos situamos. Claro que, como observadores, naturalmente teremos nossas simpatias e antipatias e, vez ou outra, seremos instados a manifestá-las com certa ênfase para demarcar terreno nas atuais disputas políticas que instrumentalizam a história, mas, estando longe e conscientes do que se sucedeu, podemos compreender nuances e sutilezas que os que viveram naquela época não podiam ou tinham bem menos condições de entender.
O distanciamento histórico é, portanto, libertador, assim como também será libertador para as futuras gerações, que terão muito mais meios do que nós para entender o real significado histórico do que se passa hoje.
Mas, afinal, o que eu acho de 1964? Em linhas gerais, concordo plenamente com o grande economista Ignácio Rangel, um dos poucos marxistas e comunistas realmente críticos e de visão larga e uma das cabeças mais brilhantes que o Brasil já produziu, em seu livro Economia: milagre e antimilagre (1985): não foi uma revolução, pois não mudou o pacto fundamental de poder já existente, mas o revigorou, permitindo a ele desenvolver as virtualidades que ainda não tinham sido esgotadas, e assegurou que, uma vez mais, os setores conservadores cumprissem com bastante desenvoltura as reformas propugnadas pelos setores progressistas mas que esses não tinham condições objetivas de levar à frente.
[…] seguidores de Olavo de Carvalho, o maior nome intelectual da direita contemporânea […].
A direita realmente caiu na total “indigência intelectual”.
Por que você diz que os setores progressistas não tinham condições objetivas de realizar tais reformas?
Eu entendi o texto, mas não concordo com essa postura de querer pagar de “isentão”.
Não é um assunto assim tão antigo e certamente possui reflexos na atualidade. [Não trata-se de algo que simplesmente acabou e “exauriu seus efeitos”].
Sobre os inexistentes “herdeiros do golpe”. Não existem? E o neto do Figueiredo?
Sobre os “herdeiros do golpe”…
Politicamente.
O Bozo foi eleito com o discurso saudosista da ditadura e com o apoio dos militares (claramente viúvas da ditadura com o discurso golpista). Os militares são criminosos, apoiaram o golpe de 64, o golpe de 2016 e se pudessem dariam um golpe em 2022/2023 para transformar o Bozo em ditador.
Os verdadeiros herdeiros da ditadura, politicamente, são os bandidos do Centrão, oligarquias regionais, que apoiavam o regime. O Centrão é uma herança maldita deixada pela ditadura.
Realmente sobre os herdeiros da oposição. Praticamente todos os políticos importantes do período 1988-2016 (PMDB, PSDB, PT e etc…) declararam herdeiros da oposição. [Quem realmente lutou contra o regime morreu e os oportunistas, muitos até colaboracionistas, saíram como heróis].
Economicamente.
Os militares golpista de 1964, realmente deram continuidade a “Era Vargas”. E os vermes liberais (Bozo e PSDB) declararam publicamente por diversas vezes que querem destruir todo o legado da “Era Vargas”. [A direita só quer sabe de roubar, matar e destruir].
O PT até estava indo na direção certa, mas a inflexibilidade tática do PT complicou tudo. Eles eram incapazes de fazer “correções de curso”.
O grande gargalo, que me impede de elogiar a ditadura, é justamente que o legado da ditadura foi só sucata. Muito embora seja normal começar um processo de industrialização produzindo material de baixa qualidade (China e Japão fizeram isso), o problema é que o Brasil não conseguiu dar o “próximo passo”.
Os empresários brasileiros são acomodados? Transformaram o Lucro em Luxo e não fizeram nenhum avanço tecnológico.
Os militares eram imbecis que só gostavam de puxa sacos. Perseguiram muitos cientistas, isso também travou o desenvolvimento tecnológico.
O Collor, FHC e os outros neoliberais destruíram totalmente a indústria nacional.
Os militares com a ocupação desordenada do interior do país destruíram diversos biomas. Entregaram as terras comunais da União para os latifundiários e deixaram os camponeses literalmente “sem terra”. [Acho que quem mais reclamou disso foi a ICAR].
Apenas para citar um assunto “exótico” gostaria de citar que a entrega dos terrenos na beira das rodovias aos latifundiários deixou os Ciganos (Gitanos) sem lugar para acampar. [Os identitários destruíram completamente as ciências humanas, por isso é difícil encontrar algum trabalho interessante ou relevante].