
Por Diego Curcio
A Copa do Mundo é um período de apoteose para o brasileiro. Clima carnavalesco, festas diárias, ruas coloridas, cerveja em abundância, camisas verde-amarelas, sorrisos nos rostos, feriados em profusão e futebol todos os dias. Para nós, é um aperitivo do Céu na Terra. Contudo, como nos ensina a sabedoria Cristã, todo paraíso tem a sua serpente. Em meio ao ambiente de festa e alegria que se instala no país durante as Olímpiadas do Futebol, uma figura nefasta ganha contornos ainda mais horrendos. Refiro-me a ele: o anátema da brasilidade, a antítese da ginga, o antônimo da alegria, o vira-lata.
Poucas figuras são tão folclóricas na sociedade brasileira quanto o vira-lata. Mesmo antes da brilhante descrição de Nelson Rodrigues sobre o Complexo de Vira-Lata, esse arquétipo do pessimismo e da autoflagelação nacional já era familiar a qualquer brasileiro. Sejamos francos! Todos conhecemos um vira-lata. É impossível não notá-lo no nosso dia-a-dia. Basta entrar em uma padaria, uma banca de jornal, um táxi, um cabaré, onde quer que haja uma televisão ligada no noticiário, como num passe de mágica, lá estará ele. Em seu rosto, aquela expressão de certeza que apenas os idiotas mais bem maturados conseguem ter. Com seus olhos fitos na televisão, o vira-lata desfere seu bordão: “Isso só acontece no Brasil”.
Em termos sociológicos, o vira-lata é um tipo ideal (idealtypus) que se materializa de formas as mais distintas em nossa sociedade. Há dos exemplares mais ariscos, que babam, rosnam e quase se urinam quando confrontados com alguma virtude do Brasil ou do brasileiro. Há também o vira-lata manso (primo próximo do corno manso), que sofre e geme em silêncio durante os carnavais, domingos de futebol e festas de santo. Existe o inconfundível “vira-lata blogueirinha”, que tem um prazer quase sexual em gastar rios de dinheiro apenas para tirar fotos com as princesas da Disney na Flórida, com os cracudos de Nova Iorque ou com as ratazanas da Torre Eiffel. A “internet” criou também o vira-lata digital, que entre uma partida de “Vídeo Game” e uma visita a algum site de conteúdo adulto (se é que você me entende), encontra prazer em chamar seu próprio país de “Bostil”. Finalmente, tem o meu favorito, que eu chamo afetuosamente de “viralactual”, sempre a postos para defender sua autodepreciação através de citações pomposas, galimatias pseudocientíficas e conceitos obscuros que ele mesmo desconhece o significado – mas que soam tão bonitos em inglês!
Há, contudo, um tipo de vira-lata superior. A ele, dou o nome de vira-lata militante. Sendo um rejeito pútrido do clima de alegria e patriotismo instaurado durante a Copa do Mundo, o vira-lata militante congrega e catalisa com uma intensidade avassaladora o rancor e a miséria de todas as formas de “viralatice”. É preciso, no entanto, destacar uma qualidade indiscutível nesse tipo nefasto: a sua tenacidade. O vira-lata militante é insuportavelmente incansável. Basta começarem as primeiras reportagens televisivas sobre a Copa do Mundo que o vira-lata militante entra em um estado de alerta máximo. A impressão que temos é que ele não dorme, não se alimenta, não vai ao banheiro; dia e noite, nosso herói da sabujice dedica-se a apenas uma missão: falar mal de tudo que envolva a participação do nosso escrete canarinho no maior torneio desportivo do planeta.
O ecletismo dos seus “arjumentos”… digo, argumentos também impressiona. Com o vira-lata militante, “aprendemos” que o Futebol é novo ópio do Povo, sendo sua recomendação que os brasileiros, durante o período da Copa, desliguem os seus televisores e se dediquem à leitura das obras completas de Marx ou dos diálogos de Sócrates. Também somos por ele informados que o Brasil não possui qualquer tradição futebolística, sendo nossas cinco taças apenas fruto do acaso, da sorte ou da bondade europeia, sempre a postos para beneficiar os países dos trópicos. Ainda sobre os nossos rivais do Velho Continente, o vira-lata militante possui provas irrefutáveis da superioridade dos mesmos em relação a nós brasileiros.
Afinal, o fato de o Barcelona ter mais títulos internacionais do que o Olaria evidencia cogentemente a nossa inferioridade.
Nesta Copa de 2022, o nosso intrépido herói da vassalagem angariou mais um motivo (como se precisasse de mais algum!) para torcer e militar contra o Brasil: seu ódio ao “menino Neymar”. Pudera! Nosso craque santista cometeu os crimes imperdoáveis de não posar como garoto propaganda de alguma ONG ambientalista, ter sua própria opinião política e de usar o seu dinheiro (pasmem!) em proveito próprio. Não foi perdoado! Afinal, o vira-lata militante tem olhos de águia e faro de lobo para captar qualquer boato sem pé nem cabeça, mentira estapafúrdia ou imbecilidade vulgar que possam ser usados contra a seleção de sua própria nação.
É muito fácil sentir asco e desprezo pelo vira-lata militante em tempos patrióticos de Copa do Mundo. Contudo, é preciso olhar além da sua carapaça de sabujice e auto-humilhação e entender que o viralatismo não é fruto apenas de sentimentos e afetos individuais. Ele é o produto tóxico de anos de ataque a todos os elementos que constituem a identidade brasileira e o nosso sentido de pertencimento nacional. O vira-lata é a personificação de uma falsa história que cospe sobre as nossas glórias, que relega ao esquecimento os nossos heróis e que joga lama sobre nossas tradições. Ele é filho dessa política de degradação cultural, que priva gerações inteiras de brasileiros do contato com as nossas produções culturais elevadas e nos oferece apenas o chorume pasteurizado da subcultura norte-americana. O vira-lata é o entreguismo, é a doação das nossas riquezas, é a nossa submissão geopolítica, é a destruição dos meios de nos impormos perante o mundo. O vira-lata é filho da criança faminta, da Universidade cosmopolita e daquela série da Netflix que “nos ensina” que a mestiçagem brasileira torna o Brasil um país estruturalmente racista.
Nas linhas anteriores, expus o problema do vira-lata militante e suas variações. Agora, encerro este modesto desabafo com um conselho de como lidar com esse flagelo. Durante este mês mágico de Copa do Mundo, ignoremos o fel rancoroso dos vira-latas. Eles ladrarão, gritarão, rosnarão, mas suas vozes serão ofuscadas pela nossa festa após cada gol marcado pela seleção canarinho. Contudo, findada a festa dionisíaca do Futebol, olhemos com atenção para o vira-lata. Ele é um tumor à mostra de um câncer que se espalha de forma profunda e sorrateira (porém, extremamente danosa) pelo corpo da nação brasileira. E entender o que torna o vira-lata tão odiento e sabujo talvez seja o caminho para curarmos o Brasil de todas as formas de viralatismo!